Rubem Fonseca é considerado um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea. Vencedor de diversos prêmios, é autor de uma vasta obra iniciada nos anos 60. Nascido em 1925, em Minas Gerais, cursou Direito no Rio de Janeiro e Administração no estrangeiro. Trabalhou, entre outros, como policial e crítico de cinema antes de se dedicar inteiramente à literatura.
Sua produção tem por principais temas o sexo e a violência presentes no meio urbano. Ele trabalhou esses temas tabus de forma direta e crua, causando grande impacto nos leitores acostumados a uma reprodução do cotidiano pela arte de forma filtrada pelos valores moralizantes presentes na sociedade.
Resenha de O caso Morel
O Caso Morel, publicado em 1973, é um exemplo do quão impactantes são as obras de Fonseca. No romance, ele se utilizou da literatura policial como pano de fundo para compor uma história repleta de carga emocional, tendo por protagonista Morel: um artista preso por um crime do qual o leitor não tem informações. Com isso, o mistério em torno de sua prisão prende o leitor, que acompanha a reconstituição da vida de Morel até a sua detenção.
A história é narrada por três perspectivas, sendo elas:
Morel, que reconstitui sua vida até a sua prisão;
Uma narração em terceira pessoa, nos momentos de Morel na cadeia;
A narração em primeira pessoa por um outro personagem que acompanha a reconstituição da vida de Morel.
A narrativa do livro faz com que fiquemos com a impressão de que lemos um livro dentro de outro livro. Ou seja, temos um narrador contando uma história e, dentro dessa história, temos a narrativa de Morel. Enquanto está preso, Morel decide escrever um romance baseado em suas experiências; com isso, pede o auxílio de um escritor experiente para avaliar seus escritos. O contato com o escritor é facilitado pela polícia, que acredita que Morel irá revelar detalhes do seu crime na obra.
Com isso, enveredamos pela reconstituição da vida de Morel até a sua prisão. Morel é um pintor respeitado, contudo desiludido com a vida e com a arte. Ele passa a maior parte do seu tempo vagando pelo Rio de Janeiro em busca de sentido para a sua vida. Temos contato com suas aventuras amorosas. Cansado das regras sociais impostas — o romance foi escrito no auge da Ditadura Militar — Morel busca criar um novo tipo de família, que destoa totalmente do modelo de família difundido na sociedade. Para tanto, ele convida quatro mulheres para morarem com ele, formando, assim, uma família baseada na total liberdade moral e sexual.
As quase duzentas páginas do romance são preenchidas ora com as aventuras amorosas de Morel, ora com suas divagações acerca da falência da arte e da liberdade individual, devido à avalanche cultural em um país dominado por um regime autocrático e censurador, pautado na moralização da sociedade segundo valores cristãos deturpados.
Morel apresenta-se como um sobrevivente em um mundo desprovido de sentido para um artista que tem por único compromisso a liberdade artística. Nesse mundo castrador, as pulsões humanas são postas de lado em favor de uma falsa decência que poda a liberdade humana.
O romance cumpre com o prometido; Morel, a cada página, choca o leitor, pois suas depravações parecem não ter fim.
Este romance traz à tona a natureza humana de forma livre, sem compromisso com qualquer tipo de censura moral. Talvez nos dias atuais, nos quais a censura direta está superada — apesar de continuar a existir uma censura velada — o romance possa não ter o mesmo poder de impactar o leitor já acostumado com uma maior liberdade sexual. Contudo, dificilmente as aventuras de Morel deixarão de causar estranheza e questionamentos sobre a natureza humana em todos aqueles que se aventurarem na leitura do livro.



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