segunda-feira, 21 de agosto de 2017

O sonho de um Homem Ridículo, de Fiodor Dostoievski


Capa de O sonho de um Homem Ridículo, de Fiodor Dostoievski


O Sonho de um Homem Ridículo é uma narrativa fantástica publicada por Dostoiévski em 1877, em uma revista mantida pelo autor. A história pode ser considerada um conto devido ao seu tamanho, de cerca de trinta páginas. Na edição da Editora 34, foi publicada juntamente com o conto "A Dócil", sendo ambas narrativas que envolvem o tema do suicídio.

Resenha de O sonho de um Homem Ridículo, de Fiodor Dostoievski 

Apesar de tratar de um tema bastante real, a narrativa é considerada fantástica pois, após um sonho extremamente vívido, porém irreal, o personagem decide mudar o rumo de sua vida.

A história é narrada em primeira pessoa por um homem que não só é tido como ridículo por aqueles que o conhecem, mas que também se considera ridículo. O fato de rirem dele e fazerem de seus hábitos motivos de chacota apenas confirma uma visão extremamente depreciativa que ele tem de si mesmo. Contudo, tudo muda após ele chegar ao fundo do poço e decidir cometer suicídio.

Pintura simbolizando um homem atormentado no inferno

O desejo de cometer suicídio surge após a constatação de que ele não era nada e que tudo no mundo também não era nada; ou seja, para ele tudo era indiferente. Com isso, não havia razão para continuar vivo, haja vista que nada fazia sentido ou valia a pena.

Antes de cometer o suicídio, ele adormece em sua poltrona, tendo um sonho no qual ele, após cometer suicídio, é carregado por um ser até um outro planeta Terra. Nesse planeta Terra, os seres humanos são perfeitos e vivem uma vida livre de doenças e crimes. Nessa Terra, todos trabalham pelo bem comum e se amam, sem haver espaço para qualquer tipo de distinção social. Nesse lugar, em uma dimensão paralela à nossa, o pecado original — ou seja, o pecado de Adão e Eva — não ocorreu. Com isso, os seres humanos não tiveram a sua perfeição corrompida.

Apesar de se maravilhar com esse mundo perfeito, o personagem, longe de compartilhar essa perfeição, questiona o fato de eles não possuírem a nossa ciência. O fato de não serem contaminados com o pecado e serem plenamente felizes fez com que não sentissem a necessidade do conhecimento que move a nossa humanidade, além do fato de não terem a necessidade de transformar a vida deles. Eles, vivendo uma vida perfeita, não tinham a necessidade de criar leis para os guiar até um mundo melhor.

Também a relação deles com a natureza é totalmente diferente da relação que mantemos com ela. Enquanto buscamos dominá-la e transformá-la, eles buscavam um relacionamento orgânico com a natureza.

Desenho de uma pessoa deitada com o coração partido

Sendo imperfeito, o personagem sentiu a necessidade de tentar impressioná-los com as maravilhas do nosso mundo e, com isso, acabou pervertendo-os.

Ele lhes ensinou a mentira, a volúpia, o ciúme, entre outros. Com isso, eles começaram a lutar entre si, gerando um mundo violento, tal como o nosso. Conforme o caos foi tomando esse planeta, eles começaram a criar leis para tentar contornar esse mal. Com isso, surgiu a justiça e a organização social segundo uma série de regras estabelecidas pelos governos. Eles se esqueceram de que já foram inocentes um dia e começaram a buscar, através da ciência, um mundo perfeito. A busca por esse mundo melhor através do conhecimento esbarrou nos desejos individuais de cada um, e guerras foram travadas em nome de um mundo melhor.

Ele tentou exortá-los a retornarem para aquela essência perdida no passado — essência essa que não se conquista com a ciência criada pelo homem —, mas eles não acreditavam mais nessa essência e o ignoraram.

O Homem Ridículo acordou do sonho transformado, com a convicção de que as pessoas podem ser felizes na Terra, pois o mal não é o estágio inicial do homem; a humanidade nasceu da perfeição e tem, na sua origem, o amor como principal meta de vida.

Com isso, ele passou a desconfiar da capacidade de a ciência transformar o mundo, pois não somos fruto de uma evolução como ele acreditava antes. Ou seja, não estamos evoluindo de um estágio primitivo para um estágio superior através da ciência, mas sim partimos de um estágio superior para um inferior devido ao fato de depositarmos as nossas esperanças no conhecimento do homem, esquecendo nossa origem divina e perfeita.

sábado, 12 de agosto de 2017

A garota no trem, de Paula Hawkins


Capa do livro A garota no trem, de Paula Hawkins


A Garota no Trem, romance de estreia da escritora inglesa Paula Hawkins, é um thriller policial publicado no ano de 2015. Seu sucesso, sendo comparado ao romance "Garota Exemplar", rendeu fama a Hawkins e a adaptação da história para o cinema.

Resenha de A garota no trem, de Paula Hawkins

O romance tem por protagonista uma mulher na casa dos trinta anos, chamada Rachel, que passa pelo pior momento da sua vida. Seu casamento fracassou devido ao seu vício em bebidas e à impossibilidade de engravidar; e, para completar, ela perdeu o emprego após chegar bêbada ao trabalho.

Cena do filme A garota no trem. Uma mulher olhando pela janela


Ela mora na casa de uma amiga de faculdade e passa seus dias tentando esconder de todos a perda do emprego e o seu vício em bebidas. Para tanto, todos os dias de manhã, ela pega o trem na cidade em que mora e viaja até Londres, onde ficava o seu antigo trabalho, passando o dia vagando pela cidade para, no fim do dia, retornar para a cidade em que mora. Com isso, todos que a conhecem acham que ela continua trabalhando.
Nesse trajeto diário de trem, ela passa na frente da casa em que morou antes da separação; atualmente, seu ex-marido mora com a atual esposa no local. Apesar da separação, Rachel não consegue esquecer seu ex-marido e sua antiga vida; com isso, fica perseguindo-o, principalmente nos momentos em que está bêbada.

Rachel tem por principal passatempo ficar observando pela janela do trem as paisagens do trajeto, sempre imaginando como seria a vida das pessoas que ela observa. Um jovem casal, Tom e Megan, que comprou a casa vizinha à sua antiga casa, chama a atenção de Rachel devido à beleza do casal, além da sintonia que os dois demonstram nos raros momentos em que Rachel consegue avistá-los do trem.

Essa rotina de Rachel muda após ela ver a mulher idealizada beijando outro homem em um bar. Dias depois, em um de seus momentos de embriaguez, Rachel vai até a casa de seu ex para confrontá-lo. No dia seguinte, ela não se lembra de nada do que aconteceu na noite anterior. Contudo, a notícia de que Megan desapareceu na noite anterior faz com que Rachel suspeite de que tenha visto algo enquanto passava pela rua em que eles moram.

Rachel, apesar de nunca ter tido contato com o casal, se solidariza com a tragédia, principalmente com o marido, que é tido como o principal suspeito. Com isso, ela decide ajudar na solução do desaparecimento de Megan, envolvendo-se diretamente na trama.

Cena do filme A garota no trem. uma mulher andando na estrada sozinha



O romance é narrado em primeira pessoa por três personagens femininas, sendo elas: Rachel, Megan e Anna (atual esposa do ex-marido de Rachel). A narrativa se dá em formato de diário, sempre com cada uma delas contribuindo com uma peça do quebra-cabeça da história. O interessante desse formato de narrativa é que ele proporciona três olhares diferentes sobre o que está acontecendo na trama, auxiliando o leitor na compreensão do enredo. Contudo, o leitor deve ficar atento para o fato de que nem sempre o relato de cada uma delas poderá ser tomado como verdade; inclusive, uma acaba sempre contradizendo a visão da outra.

O romance é claramente inspirado no filme "Janela Indiscreta", de Hitchcock; contudo, a autora foi capaz de dar vida própria à sua história, sendo uma boa história policial, capaz de prender o leitor, que em nenhum momento se cansa da leitura. Sem dúvida, um bom livro do gênero policial.

Nota: 8.





sábado, 5 de agosto de 2017

Não conte a ninguém, de Harlan Coben


Capa do livro Não conte a ninguém, de Harlan Coben

Harlan Coben é um dos escritores americanos mais lidos na atualidade. Seus livros vendem milhões de cópias, tornando-se facilmente best-sellers. Seu estilo de escrita é simples, buscando, com imagens impactantes em sequência e sem perder muito tempo com reflexões, gerar um clima de suspense eletrizante. Com isso, seus livros têm por principal característica a fácil assimilação por parte do leitor.

Cena do filme Não conte a ninguém, de Harlan Coben. Homem e mulher diante de um computador



O romance "Não Conte a Ninguém", publicado originalmente em 2001, é um thriller policial capaz de tirar o fôlego do leitor que acompanha, no transcorrer da história, o desenrolar de uma trama que se inicia como um conto de fadas para rapidamente se converter em um pesadelo.

Resenha de Não Conte a Ninguém

Um jovem casal apaixonado é atacado por um assassino em série no dia do aniversário de namoro. Apenas o rapaz, o doutor David, sobrevive, vivendo os posteriores oito anos de sua vida sem superar a tragédia, mesmo sabendo que o assassino foi julgado e condenado.

Tudo muda no dia do aniversário de namoro dos dois, quando David recebe um e-mail que o leva a crer que sua mulher está viva. Junto a isso, o surgimento de dois corpos próximos ao local onde ele e sua mulher foram atacados faz com que a polícia reabra o caso, sendo David o principal suspeito de matar a sua mulher.

Enquanto David investiga a origem daqueles e-mails e enfrenta as acusações da polícia, um poderoso homem de negócios, ligado a atividades criminosas, coloca seus homens na cola de David por motivos que David desconhece. Com isso, temos as peças que compõem o quebra-cabeça da trama.

A história é narrada, na maior parte do livro, em primeira pessoa por David, que vai aos poucos desvendando o mistério que o cerca, enquanto foge da polícia e da organização criminosa. O leitor partilha da confusão vivida por David, descobrindo aos poucos os motivos por trás dos e-mails e de sua perseguição.
Cartaz do filme Não conte a ninguém


O título está relacionado a uma exigência feita por quem está mandando os e-mails para David: a exigência de ele não contar a ninguém sobre o que estava acontecendo. Com isso, fica evidente que todos são suspeitos e David não pode confiar em ninguém.

O romance "Não Conte a Ninguém" é um bom thriller policial, fazendo jus à fama de Coben de criar histórias capazes de envolver o leitor até as últimas páginas, sendo uma leitura leve, prazerosa e descompromissada.

Nota: 8.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O caso Morel, de Rubem Fonseca


Capa do livro O caso Morel, de Rubem Fonseca


Rubem Fonseca é considerado um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea. Vencedor de diversos prêmios, é autor de uma vasta obra iniciada nos anos 60. Nascido em 1925, em Minas Gerais, cursou Direito no Rio de Janeiro e Administração no estrangeiro. Trabalhou, entre outros, como policial e crítico de cinema antes de se dedicar inteiramente à literatura.

Sua produção tem por principais temas o sexo e a violência presentes no meio urbano. Ele trabalhou esses temas tabus de forma direta e crua, causando grande impacto nos leitores acostumados a uma reprodução do cotidiano pela arte de forma filtrada pelos valores moralizantes presentes na sociedade.

Fotografia de  Rubem Fonseca

Resenha de O caso Morel 

O Caso Morel, publicado em 1973, é um exemplo do quão impactantes são as obras de Fonseca. No romance, ele se utilizou da literatura policial como pano de fundo para compor uma história repleta de carga emocional, tendo por protagonista Morel: um artista preso por um crime do qual o leitor não tem informações. Com isso, o mistério em torno de sua prisão prende o leitor, que acompanha a reconstituição da vida de Morel até a sua detenção.

A história é narrada por três perspectivas, sendo elas:

Morel, que reconstitui sua vida até a sua prisão;

Uma narração em terceira pessoa, nos momentos de Morel na cadeia;

A narração em primeira pessoa por um outro personagem que acompanha a reconstituição da vida de Morel.

A narrativa do livro faz com que fiquemos com a impressão de que lemos um livro dentro de outro livro. Ou seja, temos um narrador contando uma história e, dentro dessa história, temos a narrativa de Morel. Enquanto está preso, Morel decide escrever um romance baseado em suas experiências; com isso, pede o auxílio de um escritor experiente para avaliar seus escritos. O contato com o escritor é facilitado pela polícia, que acredita que Morel irá revelar detalhes do seu crime na obra.

Com isso, enveredamos pela reconstituição da vida de Morel até a sua prisão. Morel é um pintor respeitado, contudo desiludido com a vida e com a arte. Ele passa a maior parte do seu tempo vagando pelo Rio de Janeiro em busca de sentido para a sua vida. Temos contato com suas aventuras amorosas. Cansado das regras sociais impostas — o romance foi escrito no auge da Ditadura Militar — Morel busca criar um novo tipo de família, que destoa totalmente do modelo de família difundido na sociedade. Para tanto, ele convida quatro mulheres para morarem com ele, formando, assim, uma família baseada na total liberdade moral e sexual.

As quase duzentas páginas do romance são preenchidas ora com as aventuras amorosas de Morel, ora com suas divagações acerca da falência da arte e da liberdade individual, devido à avalanche cultural em um país dominado por um regime autocrático e censurador, pautado na moralização da sociedade segundo valores cristãos deturpados.

Morel apresenta-se como um sobrevivente em um mundo desprovido de sentido para um artista que tem por único compromisso a liberdade artística. Nesse mundo castrador, as pulsões humanas são postas de lado em favor de uma falsa decência que poda a liberdade humana.

Fotografia do Rio de Janeiro nos anos 70


O romance cumpre com o prometido; Morel, a cada página, choca o leitor, pois suas depravações parecem não ter fim.

Este romance traz à tona a natureza humana de forma livre, sem compromisso com qualquer tipo de censura moral. Talvez nos dias atuais, nos quais a censura direta está superada — apesar de continuar a existir uma censura velada — o romance possa não ter o mesmo poder de impactar o leitor já acostumado com uma maior liberdade sexual. Contudo, dificilmente as aventuras de Morel deixarão de causar estranheza e questionamentos sobre a natureza humana em todos aqueles que se aventurarem na leitura do livro.