A. J. Cronin, autor de livros de grande sucesso, tais como "O Castelo do Homem sem Alma", "A Cidadela" e "Sob a Luz das Estrelas', narra nesse livro autobiográfico momentos marcantes de sua trajetória de vida.
Resenha de Pelos caminhos da vida
"Vesti-me rapidamente, amaldiçoando a falta de recursos que me obrigava a usar o velho uniforme da marinha. Não era por gosto que assistia às aulas como um jovem almirante de esquadra — quando voltei da guerra, descobri que as traças haviam acabado com meu único terno civil."
Podemos resumir a vida de Cronin na palavra superação. Sempre alimentado por sonhos de grandes conquistas e riquezas, buscava a todo custo superar as limitações que a vida lhe impunha. Ao pretender uma vaga como assistente de um de seus professores na universidade, acreditando ser merecedor devido às suas excelentes notas, recebeu uma negativa do mestre, que sentenciou que Cronin nunca seria um bom cirurgião.
Tempos depois de formado, clinicando em uma pequena cidade da Escócia, ao receber no meio da madrugada um chamado, viu-se obrigado a abrir a traqueia de um menino em condições precárias. Ao operar o menino, Cronin se lembrou das palavras de seu mestre referentes à sua incapacidade de operar. Mas o desfecho foi excelente, tendo salvado a vida do garoto.
"A criança, desesperada pela dor, debatia-se como um peixe em uma rede. Céus! Onde está a maldita traqueia? Se não a encontrar logo, a criança vai morrer, vão dizer que eu a matei. Gotas de suor brotaram na minha testa quando me lembrei, de repente, das palavras fatais de MacEwen: 'você nunca será cirurgião'."
Acompanhamos no transcorrer da autobiografia diversas histórias emocionantes, sendo algumas tristes, como a história da garotinha de catorze anos que se sacrificava para criar os três irmãos após a morte de sua mãe; outras felizes, como a história de um pescador que vivia sozinho em um barco abandonado após ficar muito doente durante o inverno. Cronin, ao socorrê-lo, viu-se obrigado a transferi-lo para a mansão de uma jovem viúva localizada próxima ao local.
A viúva protestou veementemente ao fato de um homem praticamente mendigo ficar hospedado em sua casa. Após alguns dias, ela tentou retardar ao máximo a saída dele, afirmando que ele deveria ficar na casa até se recuperar completamente. A história termina com o casamento dos dois, sendo Cronin o padrinho.
Acompanhamos o casamento de Cronin com a sua namorada de faculdade. Logo após o casamento, ambos foram morar em uma cidade muito pobre da Escócia, que tinha por principal atividade econômica a mineração. Ali, talvez, Cronin tenha passado os momentos mais precários após sua formação. Os recém-casados moravam em uma casa de dois quartos, precariamente mobiliada. Foi ali, naquela cidadezinha, que Cronin decidiu continuar com seus estudos na tentativa de conquistar uma pós-graduação. Para alcançar esse feito, estudou durante meses nos poucos momentos de folga, tendo sido obrigado, para poder praticar para o exame, a frequentar um laboratório que ficava a uma hora e meia de distância da cidade onde morava — distância essa vencida utilizando uma velha motocicleta.
Quando foi prestar o temido exame oral, que consistia na parte final do exame, ele teve como primeira pergunta em qual das duas faculdades havia estudado: Oxford ou Cambridge. Cronin, sem jeito, afirmou ter estudado em Glasgow. O examinador não escondeu o seu desprezo.
"Um silêncio devastador. Gadsby não fez nenhum comentário, mas, levantando as sobrancelhas com ar desdenhoso, pôs diante de mim seis lâminas. [...] concentrou todo o desprezo de alguém para quem a simples menção de uma universidade escocesa era quase uma obscenidade."
Durante seis meses, Cronin passou boa parte dos seus dias sentado em frente às folhas que culminaram no seu primeiro romance, O Castelo do Homem sem Alma. O romance alcançou grande sucesso, sendo responsável por Cronin abandonar a carreira de médico e enveredar na de escritor. Nas páginas finais do livro, Cronin dedica-se à tarefa de expor suas ideias adquiridas ao longo da vida. Segundo ele, a tranquilidade conquistada após o sucesso como escritor proporcionou-lhe a oportunidade de ter tempo para meditar sobre a vida.
Nessa fase, Cronin se aproximou da religião, que, segundo ele, trouxe paz e harmonia. Passou a se preocupar com coisas que antes não considerava e a reavaliar o sentido de sua vida — uma vida pautada pela busca pelo sucesso e realização profissional, que acabou deixando de lado coisas tão importantes para a felicidade do ser humano.
"Aquele velho sonho de todos nós, a fraternidade universal, só poderá concretizar-se se a cooperação suplantar a competição entre os credos. Então, realmente, a humanidade será salva. Entretanto, tal mudança no coração do mundo tem de começar no coração de cada indivíduo; só pode ocorrer se todos que se dizem cristãos deixarem de servir a suas próprias seitas para se dedicarem ao bem da humanidade."
Nas últimas páginas, Cronin narra a sua visita às cidades europeias pós-Segunda Guerra Mundial, buscando demonstrar, através do relato do encontro em uma igreja com um senhor e sua filha paralítica, que mesmo após tantas adversidades, continuavam lutando pela felicidade. Mesmo após grandes tragédias, é possível buscar forças para continuar seguindo pelos caminhos da vida.
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