Em Admirável Mundo Novo, nos deparamos com uma sociedade futurística baseada numa mistura de autoritarismo com tecnologia de ponta, que dá origem a seres humanos alienados e comprometidos apenas com a busca pelo prazer imediato e superficial, através de orgias, drogas e entretenimento de massa. Trata-se de uma sociedade baseada no consumo de massa, tendo Ford como seu deus, que privilegia o coletivo em detrimento do individual e que desacredita qualquer laço afetivo que possa prejudicar a consciência coletiva.
Resenha de Admirável mundo Novo
Fora dos limites desse mundo novo, encontramos os selvagens: pessoas que não participam desse mundo devido a questões naturais desfavoráveis, sendo as áreas onde habitam pouco atrativas para a anexação a esse mundo novo. O selvagem John sonha em conhecer esse admirável mundo novo no qual só há espaço para a felicidade, tendo essa oportunidade após o contato com um membro dessa sociedade futurística. Apesar do deslumbre inicial com a alta tecnologia presente nesse mundo, logo o selvagem percebe o ônus de tal mundo feliz: a falta de liberdade, juntamente com a falta de sentimentos profundos que caracterizam a espécie humana.
"E esse — interveio sentenciosamente o Diretor — é o segredo da felicidade e da virtude: amarmos o que somos obrigados a fazer. Tal é a finalidade de todo o condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino social de que não podem escapar."
Os indivíduos que compõem essa sociedade são, desde o berço, inseridos em uma dada classe social através de sugestionamentos e da manipulação biológica, não havendo possibilidade de mudança posterior. Além disso, são incentivados desde cedo ao consumo de massa e à promiscuidade, não havendo incentivo para o desenvolvimento intelectual, salvo para fins de produção de bens de consumo; ou seja, as pessoas não são incentivadas a ler ou a aprofundarem seus conhecimentos referentes a questões relacionadas à vida, criando seres incapazes de possuir uma visão crítica da realidade.
"A volta à cultura. Isso mesmo, a cultura. Não se pode consumir muita coisa se se fica sentado lendo livros."
Com isso, cria-se um questionamento: a felicidade justifica a falta de liberdade? Ou seja, podemos abrir mão da liberdade em favor da felicidade coletiva? O administrador de uma das regiões que compõem esse admirável mundo novo acredita que sim. Para ele, é um preço que temos que pagar para sermos felizes, devido ao fato de a liberdade criar individualidades, enfraquecendo o coletivo, além do fato de muitas vezes podermos optar pelo sofrimento — como se vê no selvagem que, após se apaixonar, não abre mão de sofrer por esse amor ou pela perda de sua mãe.
"O mundo agora é estável. As pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que não podem ter. Sentem-se bem, estão em segurança: nunca adoecem; não têm medo da morte; vivem na ditosa ignorância da paixão e da velhice; não se acham sobrecarregadas de pais e mães; não têm esposas, nem filhos, nem amantes, por quem possam sofrer emoções violentas; são condicionadas de tal modo que praticamente não podem deixar de se portar como devem. E se, por acaso, alguma coisa andar mal, há o soma."
Será que o sofrimento não faz parte do que é sermos humanos? Abrirmos mão dele seria abrirmos mão do que nos faz seres humanos? Segundo Huxley, o ser humano tem o livre-arbítrio de escolher entre a insanidade de um lado ou a demência do outro. O selvagem tem a opção de levar uma vida de prazeres através de drogas, orgias e entretenimentos de massa, ou levar uma vida de liberdade fora dos domínios desse mundo novo — vida essa composta, muitas vezes, por dor, sofrimento e sentimentos complexos. No fim, ele escolhe uma terceira opção.
"-- Preferimos fazer as coisas confortavelmente. --- Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero poesia, quero perigo autêntico, quero a liberdade, quero bondade. Quero pecado. --- Em suma — disse Mustafá Mond — o senhor reclama o direito de ser infeliz. --- Pois bem, seja — retrucou o selvagem em tom de desafio — Eu reclamo o direito de ser infeliz. --- Sem falar no direito de ficar velho, feio e impotente; no direito de ter sífilis e câncer; no direito de não ter quase nada que comer; no direito de ter piolhos; no direito de viver com a apreensão constante do que poderá acontecer amanhã; no direito de contrair a febre tifoide; no direito de ser torturado por dores indizíveis de toda a espécie. Houve um longo silêncio. --- Eu reclamo todos — disse finalmente o Selvagem."
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