O romance Capitães da Areia pode ser entendido como uma metáfora dos dilemas e controvérsias da sociedade brasileira do início do século XX, pois o livro traz à tona a problemática do abandono da maioria desfavorecida, simbolizada pela figura dos Capitães da Areia.
Resenha de Capitães da areia
Os Capitães da Areia, um grupo de meninos abandonados que vivem em um galpão, simbolizam a parcela do povo negligenciada pelo Estado e inconformada com sua situação. Eles unem-se, criando uma sociedade à margem e dona de suas próprias regras. Evidentemente, nenhum dos garotos do romance gostaria de estar nessa situação, mas a mesma lhes foi imposta.
"Desde aquela tarde em que seu pai, um carroceiro gigantesco, foi pegado por um caminhão quando tentava desviar o cavalo para um lado da rua, João Grande não voltou à pequena casa do morro. A cidade da Bahia, negra e religiosa, é quase tão misteriosa como o verde mar. Por isso, João Grande não voltou mais. Engajou com nove anos nos Capitães da Areia."
Estando eles abandonados, criam um movimento de união e organização pautado na tentativa de garantir a sobrevivência. É interessante notar que, através dessa organização, eles ganham confiança e coragem para não só sobreviverem, mas também para, através da força, se apropriarem do que consideram seus por direito, através de roubos e violência.
"No começo da noite caiu uma carga-d'água. Também as nuvens pretas logo depois desapareceram do céu e as estrelas brilharam; brilhou também a lua cheia. Pela madrugada os Capitães da Areia vieram. O Sem-Pernas botou o motor para trabalhar. E eles esqueceram que não eram iguais às demais crianças, esqueceram que não tinham lar, nem pai, nem mãe, que viviam do furto como homens, que eram temidos na cidade como ladrões. [...] Esqueceram tudo e foram iguais a todas as crianças, cavalgando os ginetes do carrossel, gozando com as luzes."
Percebe-se que os jovens excluídos, após organizarem-se, julgam-se donos do território em que praticam seus roubos. Os personagens andam pelas ruas da cidade baiana sentindo-se reis caminhando em seu reino. É interessante notar a mudança na forma de pensar da personagem Dora, uma menina que, após a morte da mãe, vê-se, juntamente com o seu irmão, abandonada à sua própria sorte. Dora, quando sai com seu irmão pela cidade em busca de emprego, enxerga-a com um olhar totalmente oposto do olhar que apresenta após incorporar-se aos Capitães da Areia. Antes de incorporar-se aos capitães, Dora via a cidade como um lugar ruim, sentindo-se totalmente excluída dela.
"As luzes se acenderam e ela achou a princípio muito bonito. Mas logo depois sentiu que a cidade era sua inimiga, que apenas queimava os seus pés e a cansara."
Após incorporar-se aos capitães, ela passa a ver a cidade de outra forma, sentindo-se pertencente a ela. Os Capitães da Areia representam uma parcela da sociedade que, inconformada com sua exclusão, organiza-se formando uma sociedade utópica, no sentido de se acharem no direito de contrariar a ordem estabelecida, buscando, através da força, apropriar-se do que acreditam ser seus por direito.
Temos, com isso, a metáfora da luta de classes do mundo contemporâneo. Temos a minoria que detém o poder, representada pelos burgueses assaltados pelos meninos; o aparelho de repressão do Estado, simbolizado pela polícia e pelo reformatório; e o povo, representado pelos meninos abandonados que buscam, através da união, formas de garantir a sua sobrevivência.
O romance de Jorge Amado, que foi proibido e queimado em praça pública por ser considerado uma obra de cunho comunista, traz à tona os dilemas e contradições da sociedade capitalista contemporânea. Dilemas esses que permanecem presentes no cotidiano das cidades brasileiras.
"Companheiros, vamos pra luta..."


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