sábado, 28 de fevereiro de 2015

Por uma outra globalização do pensamento único à consciência universal, de Milton Santos





Capa do livro de Por uma outra globalização de Milton Santos. Capa vermelha com letras em branco



Milton Santos, geógrafo marxista, expõe no livro Por uma Outra Globalização todas as contradições do atual processo de globalização, mostrando como a minoria que detém o poder faz com que creiamos, através de fábulas, que estamos vivendo um processo de bem-estar coletivo nunca antes visto.

Resenha de Por uma outra globalização


Santos enxerga a atual globalização como algo perverso, que cria e recria desigualdades, utilizando-se de instrumentos técnicos que poderiam proporcionar bem-estar para a sociedade para subjugar a humanidade a seus interesses perversos.

O autor mostra como a minoria que detém o poder no mundo utiliza-se das novas técnicas criadas pelo homem para manter o seu controle sobre a sociedade e aumentar seus lucros, criando situações de miséria ao redor do planeta e subjugando não só os habitantes das diversas nações como também seus governantes. Estes, através dos anos, foram perdendo o poder de criar mecanismos para proporcionar bem-estar para seus povos, deixando, com isso, de serem representantes dos interesses de suas nações para serem representantes dos interesses da minoria que detém o capital.

Milton Santos vislumbrava a possibilidade de uma nova globalização que possa, através das novas técnicas criadas pelos homens, proporcionar bem-estar e igualdade, viabilizando uma sociedade verdadeiramente igualitária. Segundo Santos, é preciso que o dinheiro deixe de ser o centro da existência humana, sendo substituído pelo bem-estar coletivo. Santos imagina esse processo partindo das camadas que não são favorecidas por essa globalização perversa, através da união dos menos favorecidos nos países prejudicados pelo sistema capitalista. Segundo Santos, os menos favorecidos são sábios porque conhecem a experiência da escassez; eles percebem a perversidade do sistema e, através de sua mobilização, poderão recriar os Estados, fortificando-os para que os mesmos possam lutar pelos interesses de seus povos.

Nunca antes o homem criou tantas técnicas capazes de proporcionar bem-estar para a humanidade, sendo imprescindível o uso delas em favor do bem-estar coletivo.

Gosta de economia? Leia a resenha de A Riqueza do Homem, de Peter Jay

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Crime e castigo, de Fiodor Dostoievski



Capa do livro Crime e castigo, de Fiodor Dostoievski. Fotografia do autor na capa.



Um dos maiores romances de Fiodor Dostoievski, autor de Crime e Castigo, Os demônios e Notas do subsolo.
O romance Crime e Castigo tem por personagem principal o russo Raskólnikov, que desenvolve uma teoria que exerce papel predominante nas suas ações, as quais culminam em um duplo homicídio.

Resenha de Crime e castigo, de Fiodor Dostoievski


Raskólnikov, filho de uma família de aristocratas empobrecidos, deixa a sua mãe e a sua irmã na província para ir estudar Direito em São Petersburgo, permanecendo três anos sem vê-las. Durante seus estudos, ele publica um artigo em um jornal da cidade no qual divide a raça humana em dois tipos de seres: os extraordinários e os vulgares.

Os extraordinários são homens que — levando-se em conta a premissa niilista de que Deus está morto — possuem capacidade intelectual elevada e se tornam legisladores da raça humana. Ou seja, são responsáveis pelo destino da humanidade, possuindo o poder de criar e de revogar leis. Para Raskólnikov, esses homens estão acima do certo e do errado, devido ao fato de terem o poder de decidir o que é correto e o que é incorreto. Os vulgares são homens que vivem segundo as leis criadas pelos legisladores.

Para Raskólnikov, um traço capital que distingue os extraordinários dos vulgares é a facilidade com que passam por cima de seus obstáculos, mesmo que seja preciso, para isso, burlar leis. Entre as leis que os extraordinários burlam está, talvez, a mais importante lei do cristianismo: não matarás. Os extraordinários são capazes de matar, se preciso, sem que haja um julgamento interno com respeito à legitimidade do ato. Ou seja, não sentem remorso por tirarem vidas na busca pelos seus objetivos. Para eles, se for necessário sacrificar algumas vidas para a humanidade alcançar determinado estágio, o mesmo será feito sem que haja algum tipo de remorso ou julgamento por parte da consciência.

Raskólnikov acreditava ser um desses homens extraordinários; mas, para conseguir alcançar seus objetivos, precisava de dinheiro. Com isso, surgia o seu primeiro obstáculo. Ao ser obrigado a penhorar alguns bens para se alimentar, ele conhece uma velha usurária. Raskólnikov via a senhora como um "piolho", pois a mesma não tinha nenhuma utilidade para a raça humana; com isso, ele decide matá-la para tomar para si o dinheiro.

Se a teoria de Raskólnikov estivesse correta, ele não sentiria remorso pelo homicídio, porquanto se considerava um extraordinário, ou seja, acima do certo e do errado. Com isso, Raskólnikov planeja e executa o homicídio, sendo que, logo após assassinar a usurária, acaba matando a irmã dela, que presenciou o ato. Após o duplo homicídio, Raskólnikov — devido às pressões psicológicas impostas pelo detetive Porfíri e pela sua própria consciência — vê-se dominado por uma grande angústia.
O romance Crime e Castigo tem por tema o embate entre a razão e a consciência, embate esse acentuado após o surgimento de diversas ideologias que vão contra os conceitos de certo e errado presentes na sociedade ocidental. 
O romance demonstra, em um mundo dominado pelo raciocínio, o poder da consciência no comportamento humano, estando as pessoas imersas em um conflito interno entre a razão e a consciência.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Um jogador, de Fiodor Dostoiévski



Capa do livro Um jogador, de Fiodor Dostoiévski


O romance Um Jogador tem por temática o vício adquirido no jogo de azar. A história se desenrola em uma cidade balneária da Prússia — antiga Alemanha antes da unificação — por volta do ano de 1866. Naquela época, o jogo de azar era proibido na maior parte do continente europeu, sendo permitido apenas em algumas cidades prussianas. Com isso, indivíduos de diversos lugares dirigiam-se aos cassinos dessas cidades para tentar a sorte na roleta.

Na trama, os personagens do romance encontram-se hospedados em um dos muitos hotéis da cidade, desfrutando de momentos de lazer nos pontos turísticos do balneário enquanto esperam um telegrama anunciando a morte de uma parente rica. A família — composta por um general, seu filho e sua enteada — passa por graves problemas financeiros, vislumbrando na morte da parenta rica a salvação de seus problemas financeiros.

O enredo do romance gira em torno da paixão avassaladora que o personagem Alexei, contratado como tutor do filho do general, nutre por Pauline, enteada do general. O personagem Alexei é retratado como um jovem de vinte e cinco anos que exerce a profissão de professor do filho do general. É importante salientar que, naquela época, um professor particular era visto como membro da criadagem, sem possuir privilégios especiais dentro das famílias; ou seja, um mero subalterno.

A tia rica do general é retratada como uma senhora de mais de setenta anos que, apesar de estar entravada em uma cadeira de rodas, mostra-se extremamente ativa e lúcida. Ela possui uma personalidade forte e autoritária, julgando-se conhecedora de todos os mistérios da vida. Ela não demonstra respeito pelo general, vendo-o como um parasita, indigno de respeito e consideração.

Para a surpresa geral, em vez de chegar um telegrama anunciando a sua morte, a mesma, em carne e osso, chega ao balneário, indo diretamente para as mesas de jogo perder a sua fortuna. É interessante notar o poder que o jogo tem sobre algumas pessoas, inclusive pessoas que aparentam estar imunes a seus artifícios, como a tia rica. Após ganhar nas primeiras rodadas, ela se acha dona da própria sorte, continuando confiante mesmo depois de seguidas derrotas. Talvez a possibilidade de vitória — ou de reverter uma derrota a apenas um passo — acorrente o indivíduo à mesa de jogo, sempre acreditando que sua sorte mudará.

No início do romance, apesar de estarem em um cassino, a possibilidade de mudança em suas vidas estava atrelada a um fator natural: a morte da tia rica. Todos apostaram nesse desfecho, como um jogador que aguarda a bolinha cair no número escolhido. Após a chegada da tia, o fator natural deixa de ser decisivo em detrimento do fator jogo de azar. Com isso, o jogo de azar passa a possuir papel decisivo para a sorte de todos, devido ao fato de que, se a tia perder tudo, todos perdem junto com ela.

Talvez um jogador não seja diferente de um cidadão que não jogue, pois ambos apostam o seu futuro em acontecimentos que estão longe do seu controle. Muitas vezes nos apegamos à possibilidade de possíveis acontecimentos de forma cega e viciante, como um jogador que se apega à mesa de jogo.
 
Gosta de Dostoiévski ? Leia outras resenhas de obras do autor.
Os demônios- Dostoiévski;
Crime e castigo - Dostoievski;
Notas do Subsolo, de Dostoievski;
O sonho de um Homem Ridículo, de Fiodor Dostoievski.




Ensaio sobre a lucidez, de José Saramago


Capa do livro Ensaio sobre a lucidez, de José Saramago. Fundo claro.

A história se desenrola quatro anos após os acontecimentos narrados no romance Ensaio sobre a Cegueira, no qual a cidade é tomada por um surto de cegueira coletiva. Dessa vez, ocorre na cidade outro tipo de cegueira. No surto ocorrido quatro anos antes, as pessoas foram privadas do sentido da visão; nos acontecimentos da atual narrativa, ocorre uma cegueira mental em parte dos habitantes da cidade.

Ensaio sobre a lucidez

Fotografia de José Saramago. Homem branco idoso

Quando pessoas acostumadas a utilizar o sentido da visão no seu dia a dia são privadas do mesmo, sentem-se completamente desnorteadas; cria-se uma situação de caos. Pessoas, após perderem sua lucidez, acabam imergindo em uma cegueira mental. Com isso, demonstram dificuldade para interpretar a realidade, imergindo também no caos.

Neste romance, a perda da lucidez não se dá a todos os habitantes da cidade, mas sim a alguns habitantes ligados a partidos políticos após as eleições municipais, devido ao medo de perderem o poder. Assim, após serem privados da lucidez, tomam atitudes embasadas em uma interpretação deturpada da realidade.

A perda da lucidez se dá após oitenta por cento dos habitantes da cidade votarem em branco nas eleições municipais. Fato que causa pânico entre os detentores do poder, que veem seu domínio ameaçado. Logo após o ocorrido, eles começam a imaginar diversas teorias conspiratórias que justificassem o ocorrido. Após diversas tentativas frustradas de descobrir quem estava por trás dos votos em branco, começa-se uma "caça às bruxas", culminando na saída da cidade dos órgãos governamentais, deixando os habitantes à sua própria sorte. Eles esperavam que a cidade entrasse em um estado de puro caos, mas o que se dá é justamente o contrário: após sua saída, a cidade continua a funcionar normalmente, fato que causa espanto nos líderes políticos.

É interessante analisar a forma com que Saramago narra a história, devido ao fato de o leitor ser levado a um estado de cegueira, no sentido de que é privado, pelo narrador do romance, de características fundamentais para a perfeita compreensão da trama. Dentre elas estão as características físicas do espaço e, principalmente, as características psicológicas dos personagens.

Em alguns momentos, o narrador introduz algumas dessas características, que lançam pequenos raios de luz diante dos olhos dos leitores cegados, contudo, sem serem suficientes para a perfeita interpretação da história. Com isso, os leitores experimentam, durante a leitura, o caos de se tentar interpretar algo sem possuir todos os sentidos.




domingo, 8 de fevereiro de 2015

Capitães da areia, de Jorge Amado




Capa do livro Capitães da areia, de Jorge Amado. Meninos lutando capoeira


O romance Capitães da Areia pode ser entendido como uma metáfora dos dilemas e controvérsias da sociedade brasileira do início do século XX, pois o livro traz à tona a problemática do abandono da maioria desfavorecida, simbolizada pela figura dos Capitães da Areia.

Resenha de Capitães da areia


Os Capitães da Areia, um grupo de meninos abandonados que vivem em um galpão, simbolizam a parcela do povo negligenciada pelo Estado e inconformada com sua situação. Eles unem-se, criando uma sociedade à margem e dona de suas próprias regras. Evidentemente, nenhum dos garotos do romance gostaria de estar nessa situação, mas a mesma lhes foi imposta.

"Desde aquela tarde em que seu pai, um carroceiro gigantesco, foi pegado por um caminhão quando tentava desviar o cavalo para um lado da rua, João Grande não voltou à pequena casa do morro. A cidade da Bahia, negra e religiosa, é quase tão misteriosa como o verde mar. Por isso, João Grande não voltou mais. Engajou com nove anos nos Capitães da Areia."

Estando eles abandonados, criam um movimento de união e organização pautado na tentativa de garantir a sobrevivência. É interessante notar que, através dessa organização, eles ganham confiança e coragem para não só sobreviverem, mas também para, através da força, se apropriarem do que consideram seus por direito, através de roubos e violência.

"No começo da noite caiu uma carga-d'água. Também as nuvens pretas logo depois desapareceram do céu e as estrelas brilharam; brilhou também a lua cheia. Pela madrugada os Capitães da Areia vieram. O Sem-Pernas botou o motor para trabalhar. E eles esqueceram que não eram iguais às demais crianças, esqueceram que não tinham lar, nem pai, nem mãe, que viviam do furto como homens, que eram temidos na cidade como ladrões. [...] Esqueceram tudo e foram iguais a todas as crianças, cavalgando os ginetes do carrossel, gozando com as luzes."

Percebe-se que os jovens excluídos, após organizarem-se, julgam-se donos do território em que praticam seus roubos. Os personagens andam pelas ruas da cidade baiana sentindo-se reis caminhando em seu reino. É interessante notar a mudança na forma de pensar da personagem Dora, uma menina que, após a morte da mãe, vê-se, juntamente com o seu irmão, abandonada à sua própria sorte. Dora, quando sai com seu irmão pela cidade em busca de emprego, enxerga-a com um olhar totalmente oposto do olhar que apresenta após incorporar-se aos Capitães da Areia. Antes de incorporar-se aos capitães, Dora via a cidade como um lugar ruim, sentindo-se totalmente excluída dela.

"As luzes se acenderam e ela achou a princípio muito bonito. Mas logo depois sentiu que a cidade era sua inimiga, que apenas queimava os seus pés e a cansara."

Após incorporar-se aos capitães, ela passa a ver a cidade de outra forma, sentindo-se pertencente a ela. Os Capitães da Areia representam uma parcela da sociedade que, inconformada com sua exclusão, organiza-se formando uma sociedade utópica, no sentido de se acharem no direito de contrariar a ordem estabelecida, buscando, através da força, apropriar-se do que acreditam ser seus por direito.

Meninos brincando na areia

"Tinha vontade de se jogar no mar para se lavar de toda aquela inquietação, a vontade de se vingar dos homens que tinham matado seu pai, o ódio que sentia contra a cidade rica que estendia do outro lado do mar, na Barra, na Vitória, na Graça, o desespero da sua vida de criança abandonada e perseguida."

Temos, com isso, a metáfora da luta de classes do mundo contemporâneo. Temos a minoria que detém o poder, representada pelos burgueses assaltados pelos meninos; o aparelho de repressão do Estado, simbolizado pela polícia e pelo reformatório; e o povo, representado pelos meninos abandonados que buscam, através da união, formas de garantir a sua sobrevivência. 
O romance de Jorge Amado, que foi proibido e queimado em praça pública por ser considerado uma obra de cunho comunista, traz à tona os dilemas e contradições da sociedade capitalista contemporânea. Dilemas esses que permanecem presentes no cotidiano das cidades brasileiras.

"Companheiros, vamos pra luta..."