quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A hora da estrela, de Clarice Lispector


Capa do livro A hora da estrela de Clarice Lispector




Publicado em 1977, A Hora da Estrela é considerado um dos grandes clássicos da literatura brasileira. A história tem duas camadas; na primeira ocorre uma participação ativa do escritor. Ele a todo o momento interrompe a narrativa para conversar com o leitor.

O autor busca justificar o fato de estar contando essa história. Ele afirma, em determinado trecho, que o livro não será lido pelos pobres, pois eles têm fome e quem tem fome não tem tempo para a literatura. A classe média é o leitor potencial e esperado do romance; com isso, o autor busca justificar o motivo de ter a necessidade quase que física de contar esses acontecimentos que fogem do seu cotidiano e do cotidiano daqueles que irão ler.

Enredo de A hora da estrela 

O livro narra a vida de Macabéa, uma imigrante nordestina que deixa o interior de Alagoas e se muda para o Rio de Janeiro.
Fotografia de Clarisse Lispector


Temos contato com a situação de exclusão vivenciada por Macabéa, pois ela faz parte de uma massa de excluídos devido a sua raça/etnia ou devido ao seu baixo capital cultural. Com isso, ela vive uma vida à margem da sociedade em uma das maiores metrópoles brasileiras.

Ela possui uma instrução precária. A sua principal fonte de cultura é um programa de rádio que ela ocasionalmente escuta. Macabéa trabalha em um escritório como datilógrafa, apesar de ter tido uma alfabetização precarizada. O salário dela, que mal dá para sobreviver, faz com que ela viva uma vida de privações, tanto alimentares quanto de lazer.

O fato de ter sido criada pela sua tia — criação fria e destituída de carinho — faz com que ela tenha uma autoestima baixa e dificuldade para sonhar ou ter esperança no futuro. O relacionamento com Olímpico, um metalúrgico paraibano, surge como possibilidade de a protagonista romper o domo que a cerca e se tornar capaz de se relacionar socialmente, mas ela não consegue ultrapassar essa barreira imposta por uma vida de privações.

A ideia de contar essa história parte de um encontro, em uma das ruas do Rio de Janeiro, entre o escritor e uma imigrante nordestina. No breve momento em que ele a vislumbrou, o escritor se sentiu capaz de captar a essência dela e, após esse contato, passou a desenvolver uma necessidade quase física de transportar esse encontro para as páginas de um livro, contando uma história sem nenhum tipo de preparo ou esquematização; simplesmente a história surgia na sua mente, sem ele ter o poder de mudar o destino da personagem.

Fica o questionamento do porquê de ele sentir a necessidade de contar esse relato. Talvez Macabéa seja a materialização de um urbano que foge do controle e extrapola as relações humanas. Em determinado trecho, ele afirma que a cidade é uma máquina e seus habitantes são apenas parafusos.

Imagem do filme A hora da estrela


O consumo em massa, a divisão do trabalho no modo de produção capitalista e o enfraquecimento dos laços afetivos dão pistas da alienação das pessoas que habitam em um grande centro urbano como o Rio de Janeiro.

Ele, enquanto artista, possui sensibilidade e uma aguçada apreensão da realidade, e sente a necessidade de externalizar seus sentimentos referentes à vida na modernidade. Macabéa surge como objeto de construção de sua obra, pois ela é a materialização de um urbano repleto de contradições. Esse urbano é fruto da proximidade espacial das pessoas em determinado território; contudo, apesar de atrair cada vez mais as pessoas, é excludente e impessoal, permanecendo muitos habitantes à margem do social, tal como Macabéa, uma protagonista improvável para um romance escrito para a classe média.


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