segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Notas do Subsolo, de Fiodor Dostoievski


Capa do livro Notas do Subsolo, de Dostoievski

Ao ler Notas do Subsolo, romance publicado em 1864, adentramos de cabeça no labirinto escuro da mente humana. A inteligência e a cultura do autor das memórias não facilitam essa viagem, porquanto, ao racionalizar todos os fatos relacionados à existência humana, o autor traz mais questionamentos do que certezas sobre os mais variados temas.

Resenha de Notas do Subsolo

Pintura de um jovem na natureza olhando para o nada

Todos os fatos relacionados à vida do autor das memórias são apresentados pelo próprio autor; com isso, não somos capazes de separar as verdades das mentiras. Enxergamos todos os eventos pelos olhos do narrador, que, em diversos momentos, nos alerta a não confiar no que ele diz.

No transcorrer da primeira parte do romance, o autor das memórias busca desmistificar, através do questionamento, fatos e certezas largamente propagados pelas ciências humanas no século XIX. O positivismo, bem como as ideias naturalistas, são amplamente atacados.

Os ideais capitalistas e socialistas também são alvos, porquanto, segundo ele, buscam revelar um mundo em que o ser humano segue um determinado padrão ou regra. Seja o capitalismo, onde se acredita que a busca pelo desenvolvimento pessoal e a livre concorrência contribuem para o desenvolvimento da sociedade, ou pelas ideias socialistas, onde o bem-estar social e a coletividade estariam no centro da preocupação humana, contribuindo para um mundo melhor.

"O homem, invariavelmente e em todo lugar, quem quer que ele seja, sempre gostou de fazer o que quis, e não como mandam a razão e o interesse próprio; ele, inclusive, pode querer algo contra seus próprios interesses, e às vezes até deve indubitavelmente querê-lo."

Para ele, o ser humano é guiado pelas suas vontades, sendo boa parte delas inexplicáveis e incompreensíveis; com isso, não há como, através da razão, racionalizá-las ou prevê-las.

"E por que os senhores estão assim tão firmes e solenemente convencidos de que apenas o que é normal e positivo, ou seja, o bem-estar, é vantajoso para o homem? A razão não estará cometendo um erro quanto às vantagens? Quem sabe o homem ame não apenas o bem-estar? Quem sabe ele ame igualmente o sofrimento? Quem sabe o sofrimento é para ele tão vantajoso quanto o bem-estar? O homem, às vezes, ama o sofrimento de maneira terrível, apaixonada; isso é um fato."

O autor questiona os valores modernos embasados na racionalidade, mostrando quão perverso e inconstante o ser humano pode ser. Segundo ele, existem dois tipos de homens: os homens de ação e os homens de consciência amplificada.

Para ele, o homem de ação não está preocupado com as implicações filosóficas de seus atos; ele simplesmente encontra um objetivo e lança-se a ele sem pensar muito. Esse homem, diante de sua vontade, é capaz de se apegar a qualquer justificativa, por mais absurda que seja, para o seu ato. Ele é um imbecil, sendo o verdadeiro homem criado pela mãe natureza.

"Ele é um imbecil, indiscutivelmente, mas pode ser que o homem normal deva ser mesmo um imbecil, quem sabe? Pode ser que isso seja até muito bonito."

Já o homem de consciência amplificada é a antítese do homem normal, sendo que, ao contrário deste, ele não surgiu da natureza, mas sim de um tubo de ensaio. Ele é fruto de sua época, introjetando todo o discurso científico e lógico com o qual tem contato. Contudo, essa consciência faz com que o mesmo seja incapaz de agir, porquanto a consciência acaba sendo uma doença, por levar o homem a uma série de questionamentos, impedindo-o de agir e gerando um estado de inércia.

"O homem de proveta às vezes vai dobrar-se tanto diante de sua antítese que, com toda a sua consciência amplificada, honestamente vai se considerar um camundongo, e não um homem."

"Por acaso um homem com consciência pode ter amor-próprio?"

Segundo o autor das memórias, o homem de ação é ativo pois é limitado; ele é capaz de rapidamente se vestir de qualquer motivo para legitimar sua causa, sem questionar-se sobre esses motivos, ele simplesmente age. Já o homem de consciência amplificada possui muitas dúvidas e incertezas e está sempre pronto a rever seus motivos, inutilizando, com isso, a ação.

"Onde estão os fundamentos? De onde vou tirá-los? Faço uma ginástica mental e, em consequência, cada motivo original imediatamente arrasta atrás de si outro, ainda mais original, e vai por aí fora, até o infinito."

Esse homem questionador não irá encontrar o seu lugar no mundo, indo habitar no subsolo. Com isso, o mesmo não é arrastado para o subsolo, mas sim, de boa vontade, o habita. Não há outro lugar para ele; o mundo pertence ao homem de ação, sendo o subsolo o local destinado ao homem de consciência amplificada, por ser incapaz de se enganar.

Em uma Europa dominada pelo culto à razão, justamente a mesma acaba sendo responsável por impossibilitar o convívio em sociedade, sendo o ato de se iludir necessário para se viver em sociedade.

"Eu apenas levei às últimas consequências na minha vida aquilo que os senhores não tiveram coragem de levar nem à metade, e ainda por cima acharam que sua covardia era bom-senso, consolando-se e enganando a si próprios com isso."

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