sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Os Sertões, de Euclides da Cunha


Capa do livro Os Sertões, de Euclides da Cunha


A inexistência de uma unidade nacional, tanto no que se refere aos aspectos naturais quanto aos aspectos sociais, é tema da obra de Euclides da Cunha. Em "Os Sertões", Euclides, através de uma análise geográfica, antropológica e sociológica dos processos que culminaram na formação do Estado brasileiro republicano — em especial do Nordeste — contribui para o debate em torno da pluralidade natural e social de nosso país.

Publicado em 1902, sendo fruto das inquietações do autor referentes à recente Proclamação da República, "Os Sertões" colocou em xeque a real efetivação dos ideais republicanos em nosso país.

"A pique ainda das lamentáveis consequências de sanguinolenta guerra civil... demonstrará a inadaptabilidade do povo à legislação superior do sistema político recém-inaugurado..."

O autor utiliza a Guerra de Canudos para evidenciar as contradições presentes em nosso território, denunciando a ação do recente governo republicano em Canudos — ação essa pautada pela violência e pela falta de qualquer conhecimento da real situação do povo sertanejo que habitava naquele local.

"Eram realmente, fragilíssimos, aqueles pobres rebelados... Entretanto enviamos-lhes o legislador Comblain: e esse argumento único, incisivo, supremo e moralizador — a bala."

Resenha de Os Sertões

O livro pode ser dividido em três partes principais, sendo abordados na primeira parte os aspectos naturais do nosso território e, em especial, do Nordeste. Nesta parte, Euclides busca, através dos poucos conhecimentos geográficos existentes na época, evidenciar as diferenças naturais presentes em nosso país. Na segunda parte, o autor aborda os aspectos raciais dominantes na formação do povo brasileiro. Esta parte do livro deve ser analisada com muitas ressalvas, porquanto o autor, ao analisar a diversidade social brasileira, apoia-se em um determinismo muito propagado na época.

"...reflete, na índole e nos costumes das outras raças formadoras, apenas aqueles atributos mais ajustáveis à sua fase social incipiente."

Através desse determinismo, o autor relacionará a capacidade intelectual do povo brasileiro aos processos de mestiçagem ocorridos durante a colonização. Amparado no darwinismo social, o autor enxerga uma inferioridade e justifica essa inferioridade de determinadas raças em contraposição a outras nos processos de evolução. Outro fator predominante na constituição física e intelectual do povo brasileiro, para ele, é o meio físico no qual o indivíduo está inserido.

Essas teses deterministas estão atualmente ultrapassadas, porquanto é consenso nas ciências sociais o papel predominante das relações sociais na constituição intelectual do indivíduo, sendo essas relações dinâmicas e repletas de possibilidades. Euclides, nessa segunda parte, aponta a existência de dois tipos de homens brasileiros: o mestiço neurastênico do litoral e o mestiço do sertão. Segundo ele, o mestiço do sertão, devido às dificuldades de sobrevivência e ao isolamento proporcionados pelo meio físico, tornou-se um tipo específico de homem, sendo um homem forte. As provações geradas pelo meio físico, bem como o isolamento geográfico, o tornaram diferenciado do resto do país.

"O sertanejo é, antes de tudo, um homem forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral".

Um desenho de Antonio Conselheiro segurando uma cruz

O mestiço neurastênico do litoral, por outro lado, não possui uma unicidade tanto física quanto intelectual, sendo fruto de grande mestiçagem. Contudo, o mesmo possui a vantagem de ter mais contato com o mundo civilizado, sendo influenciado pelo mesmo e tendo, com isso, um maior desenvolvimento intelectual. Diante dessas diferenças tanto físicas quanto culturais, surge o conflito.

Na terceira parte do livro, o autor narra a Guerra de Canudos. Buscando desmistificar o conflito, o autor mostra o resultado da falta de unidade nacional presente em nosso território. De um lado, temos brasileiros em condições de miséria, abandonados pelo poder público. De outro, temos as forças governamentais distantes dos problemas daquele povo, prontas para destruir qualquer tipo de insurgência.

Sendo engenheiro civil de formação, Euclides adquiriu um conhecimento aprofundado referente ao conflito, porquanto o cobrira para um jornal de São Paulo. Segundo Euclides, ao contrário do que se imaginava no Sudeste, o povo de Canudos não oferecia qualquer ameaça à recente República. Seu líder, Antônio Conselheiro, não passava de um desequilibrado, sem nenhum tipo de contato político relevante. Seus homens não possuíam nenhum tipo de armamento pesado e os habitantes de Canudos viviam em estado de miséria. A miséria e a esperança quase cega em um futuro melhor os levaram a fundar Canudos e a seguirem Conselheiro.

O recente governo republicano, que pregava uma unificação nacional, não foi capaz de enxergar o surgimento de Canudos — e de tantas outras "favelas" — como sintoma de um problema maior, relativo à massa de brasileiros abandonados pelo Estado, que deveria estar proporcionando formas de sobrevivência e desenvolvimento social para essas pessoas.

Publicado no início do século XX, o romance poderia servir de alerta para um Sudeste tão distante dos problemas do Nordeste brasileiro e das necessidades da grande massa de desfavorecidos espalhados pelo nosso território que acabam sendo esquecidos. Após cem anos e alguns avanços, continuamos a sonhar com uma verdadeira unificação nacional e um único Brasil, sendo a nossa realidade diversos países dentro de um país repleto de desigualdades.


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quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Intriga Internacional - Edward Pollitz Jr

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A capa do livro, na edição da Editora Portugália, chama a atenção pela quantidade variada de tramas realçadas no canto esquerdo inferior, indo desde chantagem e alta finança até o serviço secreto, passando pelo presidente dos EUA e líderes revolucionários do Oriente Médio.

A descrição do livro dá uma pista da confusão com a qual o leitor se deparará pela frente. O leitor, durante as primeiras páginas, não sabe ao certo em qual trama a história se centralizará. O fato de diversos personagens desfilarem pelas primeiras páginas gera uma dificuldade para o leitor guardar os nomes e características de cada um; com isso, as primeiras páginas se tornam confusas.

Resenha de Intriga Internacional 


Inicialmente, nos deparamos com um assassino árabe disposto a tudo para cumprir suas ordens. Servo fiel de um regime autocrático, utiliza-se de cruéis habilidades homicidas para cumprir sua missão de morte na Riviera francesa.

Uma trama internacional relacionada a esses homicídios cometidos pelo árabe toma contorno. Nela, a invenção de um carro movido a energia solar, juntamente a uma crise mundial do petróleo, se apresenta como mote da trama que se desenrola na Riviera Francesa, envolvendo agentes secretos franceses, israelenses e americanos.

A ameaça de um pequeno país do Oriente Médio de destruir parte das reservas de petróleo do continente asiático leva os EUA, grandes importadores dessa commodity, a arquitetarem uma invasão ao país — invasão essa que levará a uma interrupção da importação de petróleo. No intuito de impedir o caos que será gerado pela falta de gasolina, a General Motors, utilizando-se dos serviços de um cientista excêntrico, desenvolve um projeto de um carro movido a energia solar.

O ditador árabe, sabendo desse projeto, manda seu fiel assassino atrás desse brilhante cientista que permanece no anonimato, dificultando a ação do matador. Um velho general francês, ligado a uma organização francesa de espionagem, começa a seguir a trilha de homicídios. Com isso, temos um assassino árabe, um cientista excêntrico, um velho general francês, além de um casal de americanos de férias na Riviera que, por inconsideração, acabam envolvidos nessa trama.

Curiosamente, o assassino passa a maior parte do livro empregando seus esforços no intuito de matar o casal em vez do cientista, que, apesar de sua importância no desfecho dessa trama, acaba ficando em segundo plano na história.

As razões que levaram o presidente americano a arquitetar uma substituição da produção automotiva americana não ficam claras ou convencentes no livro, sendo facilmente refutadas pelos inúmeros esforços militares colocados em prática nas últimas décadas pelos americanos em países do Oriente Médio. Ou seja, controlar esses países se mostra mais viável do que recriar a produção automotiva americana.

O romance, em alguns momentos, acaba se tornando maçante, exigindo certo esforço devido à incapacidade de a trama cativar o leitor. Portanto, o romance acaba tendo uma qualidade inferior aos tão famosos romances de espionagem já lançados.

A premissa do romance — crise do petróleo e tentativa de fabricação de um carro movido a energia solar — é um tema que atrai o leitor; contudo, o autor não soube desenvolvê-lo de uma forma que o leitor comprasse a história, tornando, com isso, o livro de qualidade mediana. O excesso de páginas (290), além de personagens, dificulta o ritmo da leitura, porquanto o leitor acaba pulando de subtrama em subtrama, deixando o livro confuso e cansativo.