quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Gabriela, Cravo e Canela - Jorge Amado

Capa do livro Gabriela, Cravo e Canela -  Jorge Amado

Jorge Amado, em Gabriela, Cravo e Canela, nos presenteia com uma saborosa crônica de costumes ambientada na Bahia, que presenciava um crescimento econômico impulsionado pela produção do cacau.
O sul da Bahia, em fins do século XIX, presenciou lutas sangrentas pela posse da terra e o surgimento de ricos produtores de cacau, intitulados "coronéis", que, através da violência e utilizando os serviços de jagunços, desmatavam e plantavam cacau, que era amplamente exportado para o estrangeiro.

Assim era Ilhéus, naqueles idos de 1925, quando floresciam as roças nas terras adubadas com cadáveres e sangue e multiplicavam-se as fortunas.”

Resenha de Gabriela, Cravo e Canela

Jorge Amado afirma, nas primeiras páginas, existir um descompasso entre o avanço técnico-científico e o avanço nos costumes da sociedade. Para ele, o avanço técnico–científico proporciona a possibilidade do progresso e do novo; contudo, os hábitos de determinada sociedade evoluem mais lentamente, o que gera uma tensão entre o velho e o novo. A cidade acaba sendo o palco desses embates, devido ao fato de o progresso, a todo o momento, buscar transformar sua fisionomia.

Modificava-se a fisionomia da cidade, abriam-se ruas, importavam-se automóveis, construíam-se palacetes, rasgavam-se estradas, publicavam-se jornais, fundavam-se clubes, transformava-se Ilhéus. Mais lentamente, porém, evoluíam os costumes, os hábitos dos homens. Assim acontece sempre, em todas as sociedades.”

Ilhéus, bem como outras cidades do sul da Bahia que se desenvolveram graças ao cultivo do cacau, experimenta um crescimento populacional vertiginoso. Diversas famílias nordestinas se deslocam para lá fugindo da seca. O local onde costumavam se assentar ao chegarem à cidade era chamado pelo povo de "mercado de escravos". Os coronéis, necessitados de mão de obra para a lavoura, escolhem seus empregados como se estivessem escolhendo escravos, devendo os retirantes aceitar qualquer proposta feita. Contudo, muitos retirantes chegavam a Ilhéus alimentados pelo sonho de enriquecer.

A prosperidade da zona do cacau, porém, estava reservada aos poderosos coronéis cercados de jagunços, que controlavam não somente a economia como também a política daquela região. A chegada de Mundinho Falcão a Ilhéus abala o poder dos coronéis, porquanto, ao contrário dos retirantes, Mundinho — proveniente de uma família rica e influente do Sudeste, proprietária de fazendas de café — chega a Ilhéus amparado pelo poder de sua família, influente na política brasileira da República Velha.

Desenho de Jorge Amado

Mundinho estabelece-se em Ilhéus como exportador de cacau. Contudo, depara-se com a dificuldade de escoar a produção, devido ao fato de a cidade não possuir uma barra para a atracação dos navios, sendo toda a produção escoada pela cidade de Salvador. Esse fato diminui seus lucros, além de criar uma dependência de Salvador. Mundinho luta pela construção de uma barra em Ilhéus; contudo, essa construção vai contra os interesses de políticos baianos que buscam manter Ilhéus dependente. Cria-se, com isso, uma divergência de interesses, devido ao fato de os coronéis do cacau — em especial o Coronel Ramiro Bastos, homem mais poderoso da cidade — apoiarem o governo baiano.

Cria-se um embate: de um lado, Mundinho simboliza o progresso; do outro, Ramiro e os coronéis do cacau simbolizam o velho e o já estabelecido. Entre as novidades que surgem na cidade, pode-se citar a construção de estradas, uma empresa de transporte, a criação de grêmios, bibliotecas, além de casas com arquiteturas modernistas. Por trás de todas essas novidades está Mundinho, que posteriormente decide criar um partido para disputar as eleições municipais, fazendo oposição ao atual governo, tido como retrógrado.

Aos poucos, Mundinho e o progresso começam a conquistar a cidade. Contudo, velhos costumes ainda imperam em Ilhéus, fazendo contraste com o novo. Pode-se citar o duplo homicídio cometido por um importante coronel da cidade que, chegando em sua casa, se deparou com sua mulher na cama com outro homem. Apesar de confessar os homicídios, o mesmo é tratado com respeito e admiração pela cidade, que aprova seu ato.

Assim era em Ilhéus: honra de marido enganado só com sangue poderia ser lavada.”

Gabriela: a mulher indecifrável


Mulher em pose sensual

É nessa Ilhéus, agitada por disputas entre o velho e o novo, que chega a retirante Gabriela. A coincidência de o sírio Nacib, comerciante, necessitar de uma cozinheira para seu bar — um dos mais movimentados de Ilhéus — faz com que Gabriela fique em evidência, agitando ainda mais a cidade. Gabriela é indecifrável; segundo um dos personagens, sua beleza e simpatia contagiam a todos. Seu jeito simples e despretensioso é capaz de desarmar qualquer um. Fazia tudo o que sentia vontade, como se fosse livre para experimentar a felicidade, não se importando com o que era socialmente aceito.

Em uma época em que as mulheres eram extremamente oprimidas pelos maridos, sem possuírem os mesmos direitos, Gabriela quebra todos os paradigmas da época. Em determinado trecho, após se casar com o sírio Nacib, ela acaba traindo-o. Ao refletir sobre o ocorrido, Gabriela questiona o fato de a infidelidade ser permitida somente aos homens:

 “Havia uma lei, não era permitido. Só homem tinha direito, não o tinha a mulher?”.

Era socialmente aceito que os homens tivessem amantes; contudo, as mulheres não tinham esse direito. O fato de o sírio não matar Gabriela e seu amante, pedindo apenas o divórcio (anulação do casamento), é comemorado pelos entusiastas do progresso, que começam a ver mudanças nos costumes da sociedade ilheense.

Com isso, temos o embate entre o velho e o novo; os costumes antigos e a modernidade nesse maravilhoso romance do mestre Jorge Amado. 

Gosta de Jorge Amado ? Leia a resenha de outro clássico de Jorge Amado: Capitães da Areia. 


























Nenhum comentário:

Postar um comentário