quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Fogo Morto- José Lins do Rego

Capa do livro Fogo Morto- José Lins do  Rego


José Lins do Rego foi um dos maiores nomes da literatura brasileira. Devido à conjuntura da época, os escritores brasileiros tinham por responsabilidade não somente escrever boas histórias, mas também discutir a realidade brasileira, porquanto não tínhamos sociólogos e antropólogos consolidados. Com isso, diversos intelectuais tomaram para si a responsabilidade de discutir a realidade social de um país de tamanho continental que estava dando seus primeiros passos dentro de uma realidade republicana democrática.

Rego faz parte de uma geração literária, pós-Semana de 22, denominada Regionalismo de 30. No século XIX, a maioria dos romances eram ambientados na antiga capital brasileira ou, quando muito, em São Paulo. Apesar de ser de vital importância a compreensão das relações que ocorriam no antigo centro político brasileiro, o país não se resumia ao Sudeste. Para se compreender a nação brasileira, fazia-se necessário o diálogo com outras regiões do país.

Rego fez parte de uma geração de escritores nordestinos que tomaram para si a missão de desvelar o Nordeste brasileiro, podendo citar os romances: Os Sertões, de Euclides da CunhaCapitães da areia, de Jorge Amado e Caetés de Graciliano Ramos.
O romance Fogo Morto, ambientado na Paraíba, tem por tema a decadência dos engenhos nordestinos devido ao surgimento das usinas produtoras de açúcar. Os engenhos passaram a ser simples fornecedores da matéria-prima cana, ficando a produção do açúcar a cargo das usinas. Esse enfraquecimento dos engenhos estava relacionado ao avanço do capitalismo moderno, que substituiu uma produção baseada na servidão por uma produção baseada no trabalho industrial assalariado.

Resenha de Fogo Morto


A história inicia-se na primeira metade do século XX com a decadência do engenho e, posteriormente, regride para a segunda metade do século XIX para contar como se deu o surgimento e a prosperidade do Engenho Santa Fé. O título do romance é uma referência à decadência dos engenhos brasileiros devido ao desenvolvimento da industrialização no país. Os engenhos, antes produtores da maior riqueza do país até o século XVII — o açúcar —, passaram, com o surgimento das usinas, apenas a serem responsáveis pelo fornecimento da cana. Com isso, os engenhos perderam a sua força, devido ao fato de se tornarem meros fornecedores de matéria-prima.

Agora viam o bueiro do Santa Fé. Um galho de jitirana subia por ele. Flores azuis cobriam-lhe a boca suja. — E o Santa Fé quando bota, Passarinho? — Capitão, não bota mais, está de fogo morto.”

O fim da escravidão contribuiu de forma decisiva para o declínio dos engenhos nordestinos, pois possibilitou a difusão do trabalho assalariado no país. Os engenhos tinham por característica a centralidade dos poderes e tomadas de decisões nas mãos do senhor do engenho, que o controlava com mãos de ferro, se utilizando, muitas vezes de forma cruel, de mão de obra escrava.

O romance é dividido em três partes, sendo um personagem destacado em cada uma delas. Na segunda parte do romance, o surgimento e declínio do Engenho Santa Fé é narrado tendo como destaque o personagem Lula de Holanda. Lula, educado na cidade, casou-se com a filha do Senhor de Engenho, passando a administrá-lo após a morte de seu sogro. Lula não demonstra qualquer intimidade com a vida do engenho, fato que fez com que não conseguisse geri-lo da melhor forma. Sendo defensor da escravidão e cruel com seus escravos, Lula encontra dificuldades para se adaptar ao trabalho livre; devido à crueldade com que os escravos eram tratados na sua administração, os mesmos não permanecem no engenho após a abolição.

Pintura de um engenho nordestino

Na primeira parte do romance, somos apresentados ao Mestre Amaro. O personagem José Amaro, artesão de profissão, habita as terras do engenho Santa Fé desde a infância. Apesar de habitar as terras do senhor do engenho, não paga aluguel e não presta serviços regularmente para o dono das terras como era costume, subsistindo através da confecção de selas. Com o desenvolvimento do capitalismo, os artesãos perderam sua força e prestígio, sendo seu trabalho substituído por produtos manufaturados. Mestre Amaro vivencia essa decadência na diminuição da demanda por seu trabalho. A decadência do engenho é a decadência de Mestre Amaro.

O personagem vai adentrando em um estado depressivo que só é superado após ter contato com um grupo de cangaceiros que age na Zona da Mata. Os cangaceiros não respeitam a lei e se julgam defensores dos oprimidos. Através deles, Mestre Amaro vislumbra a possibilidade de mudança. Contudo, essa esperança leva o mestre Amaro a quase um estado de loucura, pois o mesmo começa a se desprender da realidade, vivendo na ilusão de que os bons tempos seriam restaurados.

A terceira parte do romance é centralizada no personagem Vitorino Carneiro da Cunha. Um personagem difícil de compreender, devido ao fato de o mesmo estar completamente alheio ao que acontece a sua volta. O personagem pode ser comparado ao personagem Dom Quixote, de Cervantes. Enquanto Dom Quixote perseguia moinhos que acreditava ser gigantes, Vitorino perseguia inimigos que o queriam destruir; contudo, esses inimigos na verdade não estavam preocupados com Vitorino, sendo ele considerado por eles um "velho louco", digno de pena.

O romance possui uma característica pessimista, pois fica evidente que os personagens principais estão fadados ao fracasso. Tanto o engenho quanto Mestre Amaro e Vitorino estão em decadência; todos fazem parte de um Nordeste que estava chegando ao fim. Através dos romances de José Lins do Rego, podemos compreender a diversidade natural e cultural presente no Nordeste, podendo ser dividido em Zona da Mata e Sertão.

A passagem do romance em que Sr. Tomás, dono do engenho Santa Fé, viaja para o Sertão em busca de um escravo fugido evidencia a diversidade cultural presente na região. O Sr. Tomás, ao chegar no Sertão, se depara com um Nordeste diferente do seu. Acostumado a ser respeitado e temido, não encontra esse respeito no Sertão. Após algumas andanças, foi alertado de que teria dificuldades de recuperar seu escravo, porquanto no Sertão não se aceitava a ideia de um homem ser escravo de outro. A passagem demonstra serem as relações sociais diferentes na Zona da Mata e no Sertão.

Fogo Morto retrata a infância de José Lins do Rego, possuindo o romance um tom saudosista. Contudo, o fato de José ter sido neto de senhor do engenho não fez com que o mesmo escondesse as misérias e mazelas presentes nesse Nordeste da Zona da Mata, proporcionando, com isso, ao leitor um romance intenso e marcante referente a um importante pedaço do Brasil.





Gabriela, Cravo e Canela - Jorge Amado

Capa do livro Gabriela, Cravo e Canela -  Jorge Amado

Jorge Amado, em Gabriela, Cravo e Canela, nos presenteia com uma saborosa crônica de costumes ambientada na Bahia, que presenciava um crescimento econômico impulsionado pela produção do cacau.
O sul da Bahia, em fins do século XIX, presenciou lutas sangrentas pela posse da terra e o surgimento de ricos produtores de cacau, intitulados "coronéis", que, através da violência e utilizando os serviços de jagunços, desmatavam e plantavam cacau, que era amplamente exportado para o estrangeiro.

Assim era Ilhéus, naqueles idos de 1925, quando floresciam as roças nas terras adubadas com cadáveres e sangue e multiplicavam-se as fortunas.”

Resenha de Gabriela, Cravo e Canela

Jorge Amado afirma, nas primeiras páginas, existir um descompasso entre o avanço técnico-científico e o avanço nos costumes da sociedade. Para ele, o avanço técnico–científico proporciona a possibilidade do progresso e do novo; contudo, os hábitos de determinada sociedade evoluem mais lentamente, o que gera uma tensão entre o velho e o novo. A cidade acaba sendo o palco desses embates, devido ao fato de o progresso, a todo o momento, buscar transformar sua fisionomia.

Modificava-se a fisionomia da cidade, abriam-se ruas, importavam-se automóveis, construíam-se palacetes, rasgavam-se estradas, publicavam-se jornais, fundavam-se clubes, transformava-se Ilhéus. Mais lentamente, porém, evoluíam os costumes, os hábitos dos homens. Assim acontece sempre, em todas as sociedades.”

Ilhéus, bem como outras cidades do sul da Bahia que se desenvolveram graças ao cultivo do cacau, experimenta um crescimento populacional vertiginoso. Diversas famílias nordestinas se deslocam para lá fugindo da seca. O local onde costumavam se assentar ao chegarem à cidade era chamado pelo povo de "mercado de escravos". Os coronéis, necessitados de mão de obra para a lavoura, escolhem seus empregados como se estivessem escolhendo escravos, devendo os retirantes aceitar qualquer proposta feita. Contudo, muitos retirantes chegavam a Ilhéus alimentados pelo sonho de enriquecer.

A prosperidade da zona do cacau, porém, estava reservada aos poderosos coronéis cercados de jagunços, que controlavam não somente a economia como também a política daquela região. A chegada de Mundinho Falcão a Ilhéus abala o poder dos coronéis, porquanto, ao contrário dos retirantes, Mundinho — proveniente de uma família rica e influente do Sudeste, proprietária de fazendas de café — chega a Ilhéus amparado pelo poder de sua família, influente na política brasileira da República Velha.

Desenho de Jorge Amado

Mundinho estabelece-se em Ilhéus como exportador de cacau. Contudo, depara-se com a dificuldade de escoar a produção, devido ao fato de a cidade não possuir uma barra para a atracação dos navios, sendo toda a produção escoada pela cidade de Salvador. Esse fato diminui seus lucros, além de criar uma dependência de Salvador. Mundinho luta pela construção de uma barra em Ilhéus; contudo, essa construção vai contra os interesses de políticos baianos que buscam manter Ilhéus dependente. Cria-se, com isso, uma divergência de interesses, devido ao fato de os coronéis do cacau — em especial o Coronel Ramiro Bastos, homem mais poderoso da cidade — apoiarem o governo baiano.

Cria-se um embate: de um lado, Mundinho simboliza o progresso; do outro, Ramiro e os coronéis do cacau simbolizam o velho e o já estabelecido. Entre as novidades que surgem na cidade, pode-se citar a construção de estradas, uma empresa de transporte, a criação de grêmios, bibliotecas, além de casas com arquiteturas modernistas. Por trás de todas essas novidades está Mundinho, que posteriormente decide criar um partido para disputar as eleições municipais, fazendo oposição ao atual governo, tido como retrógrado.

Aos poucos, Mundinho e o progresso começam a conquistar a cidade. Contudo, velhos costumes ainda imperam em Ilhéus, fazendo contraste com o novo. Pode-se citar o duplo homicídio cometido por um importante coronel da cidade que, chegando em sua casa, se deparou com sua mulher na cama com outro homem. Apesar de confessar os homicídios, o mesmo é tratado com respeito e admiração pela cidade, que aprova seu ato.

Assim era em Ilhéus: honra de marido enganado só com sangue poderia ser lavada.”

Gabriela: a mulher indecifrável


Mulher em pose sensual

É nessa Ilhéus, agitada por disputas entre o velho e o novo, que chega a retirante Gabriela. A coincidência de o sírio Nacib, comerciante, necessitar de uma cozinheira para seu bar — um dos mais movimentados de Ilhéus — faz com que Gabriela fique em evidência, agitando ainda mais a cidade. Gabriela é indecifrável; segundo um dos personagens, sua beleza e simpatia contagiam a todos. Seu jeito simples e despretensioso é capaz de desarmar qualquer um. Fazia tudo o que sentia vontade, como se fosse livre para experimentar a felicidade, não se importando com o que era socialmente aceito.

Em uma época em que as mulheres eram extremamente oprimidas pelos maridos, sem possuírem os mesmos direitos, Gabriela quebra todos os paradigmas da época. Em determinado trecho, após se casar com o sírio Nacib, ela acaba traindo-o. Ao refletir sobre o ocorrido, Gabriela questiona o fato de a infidelidade ser permitida somente aos homens:

 “Havia uma lei, não era permitido. Só homem tinha direito, não o tinha a mulher?”.

Era socialmente aceito que os homens tivessem amantes; contudo, as mulheres não tinham esse direito. O fato de o sírio não matar Gabriela e seu amante, pedindo apenas o divórcio (anulação do casamento), é comemorado pelos entusiastas do progresso, que começam a ver mudanças nos costumes da sociedade ilheense.

Com isso, temos o embate entre o velho e o novo; os costumes antigos e a modernidade nesse maravilhoso romance do mestre Jorge Amado. 

Gosta de Jorge Amado ? Leia a resenha de outro clássico de Jorge Amado: Capitães da Areia.