José Lins do Rego foi um dos maiores nomes da literatura brasileira. Devido à conjuntura da época, os escritores brasileiros tinham por responsabilidade não somente escrever boas histórias, mas também discutir a realidade brasileira, porquanto não tínhamos sociólogos e antropólogos consolidados. Com isso, diversos intelectuais tomaram para si a responsabilidade de discutir a realidade social de um país de tamanho continental que estava dando seus primeiros passos dentro de uma realidade republicana democrática.
Rego faz parte de uma geração literária, pós-Semana de 22, denominada Regionalismo de 30. No século XIX, a maioria dos romances eram ambientados na antiga capital brasileira ou, quando muito, em São Paulo. Apesar de ser de vital importância a compreensão das relações que ocorriam no antigo centro político brasileiro, o país não se resumia ao Sudeste. Para se compreender a nação brasileira, fazia-se necessário o diálogo com outras regiões do país.
Rego fez parte de uma geração de escritores nordestinos que tomaram para si a missão de desvelar o Nordeste brasileiro, podendo citar os romances: Os Sertões, de Euclides da Cunha; Capitães da areia, de Jorge Amado e Caetés de Graciliano Ramos.
O romance Fogo Morto, ambientado na Paraíba, tem por tema a decadência dos engenhos nordestinos devido ao surgimento das usinas produtoras de açúcar. Os engenhos passaram a ser simples fornecedores da matéria-prima cana, ficando a produção do açúcar a cargo das usinas. Esse enfraquecimento dos engenhos estava relacionado ao avanço do capitalismo moderno, que substituiu uma produção baseada na servidão por uma produção baseada no trabalho industrial assalariado.
Resenha de Fogo Morto
A história inicia-se na primeira metade do século XX com a decadência do engenho e, posteriormente, regride para a segunda metade do século XIX para contar como se deu o surgimento e a prosperidade do Engenho Santa Fé. O título do romance é uma referência à decadência dos engenhos brasileiros devido ao desenvolvimento da industrialização no país. Os engenhos, antes produtores da maior riqueza do país até o século XVII — o açúcar —, passaram, com o surgimento das usinas, apenas a serem responsáveis pelo fornecimento da cana. Com isso, os engenhos perderam a sua força, devido ao fato de se tornarem meros fornecedores de matéria-prima.
“Agora viam o bueiro do Santa Fé. Um galho de jitirana subia por ele. Flores azuis cobriam-lhe a boca suja. — E o Santa Fé quando bota, Passarinho? — Capitão, não bota mais, está de fogo morto.”
O fim da escravidão contribuiu de forma decisiva para o declínio dos engenhos nordestinos, pois possibilitou a difusão do trabalho assalariado no país. Os engenhos tinham por característica a centralidade dos poderes e tomadas de decisões nas mãos do senhor do engenho, que o controlava com mãos de ferro, se utilizando, muitas vezes de forma cruel, de mão de obra escrava.
O romance é dividido em três partes, sendo um personagem destacado em cada uma delas. Na segunda parte do romance, o surgimento e declínio do Engenho Santa Fé é narrado tendo como destaque o personagem Lula de Holanda. Lula, educado na cidade, casou-se com a filha do Senhor de Engenho, passando a administrá-lo após a morte de seu sogro. Lula não demonstra qualquer intimidade com a vida do engenho, fato que fez com que não conseguisse geri-lo da melhor forma. Sendo defensor da escravidão e cruel com seus escravos, Lula encontra dificuldades para se adaptar ao trabalho livre; devido à crueldade com que os escravos eram tratados na sua administração, os mesmos não permanecem no engenho após a abolição.

Na primeira parte do romance, somos apresentados ao Mestre Amaro. O personagem José Amaro, artesão de profissão, habita as terras do engenho Santa Fé desde a infância. Apesar de habitar as terras do senhor do engenho, não paga aluguel e não presta serviços regularmente para o dono das terras como era costume, subsistindo através da confecção de selas. Com o desenvolvimento do capitalismo, os artesãos perderam sua força e prestígio, sendo seu trabalho substituído por produtos manufaturados. Mestre Amaro vivencia essa decadência na diminuição da demanda por seu trabalho. A decadência do engenho é a decadência de Mestre Amaro.
O personagem vai adentrando em um estado depressivo que só é superado após ter contato com um grupo de cangaceiros que age na Zona da Mata. Os cangaceiros não respeitam a lei e se julgam defensores dos oprimidos. Através deles, Mestre Amaro vislumbra a possibilidade de mudança. Contudo, essa esperança leva o mestre Amaro a quase um estado de loucura, pois o mesmo começa a se desprender da realidade, vivendo na ilusão de que os bons tempos seriam restaurados.
A terceira parte do romance é centralizada no personagem Vitorino Carneiro da Cunha. Um personagem difícil de compreender, devido ao fato de o mesmo estar completamente alheio ao que acontece a sua volta. O personagem pode ser comparado ao personagem Dom Quixote, de Cervantes. Enquanto Dom Quixote perseguia moinhos que acreditava ser gigantes, Vitorino perseguia inimigos que o queriam destruir; contudo, esses inimigos na verdade não estavam preocupados com Vitorino, sendo ele considerado por eles um "velho louco", digno de pena.
O romance possui uma característica pessimista, pois fica evidente que os personagens principais estão fadados ao fracasso. Tanto o engenho quanto Mestre Amaro e Vitorino estão em decadência; todos fazem parte de um Nordeste que estava chegando ao fim. Através dos romances de José Lins do Rego, podemos compreender a diversidade natural e cultural presente no Nordeste, podendo ser dividido em Zona da Mata e Sertão.
A passagem do romance em que Sr. Tomás, dono do engenho Santa Fé, viaja para o Sertão em busca de um escravo fugido evidencia a diversidade cultural presente na região. O Sr. Tomás, ao chegar no Sertão, se depara com um Nordeste diferente do seu. Acostumado a ser respeitado e temido, não encontra esse respeito no Sertão. Após algumas andanças, foi alertado de que teria dificuldades de recuperar seu escravo, porquanto no Sertão não se aceitava a ideia de um homem ser escravo de outro. A passagem demonstra serem as relações sociais diferentes na Zona da Mata e no Sertão.
Fogo Morto retrata a infância de José Lins do Rego, possuindo o romance um tom saudosista. Contudo, o fato de José ter sido neto de senhor do engenho não fez com que o mesmo escondesse as misérias e mazelas presentes nesse Nordeste da Zona da Mata, proporcionando, com isso, ao leitor um romance intenso e marcante referente a um importante pedaço do Brasil.



