Aluísio de Azevedo é um dos maiores mestres da literatura brasileira. É responsável por uma das análises mais impactantes da transição do Império para a República e o fim da escravidão.
Resenha de O cortiço
A história é ambientada em um cortiço localizado no bairro de Botafogo, no município do Rio de Janeiro, em fins do Império. Apesar de o romance conter diversos personagens marcantes, o personagem principal da obra é o próprio cortiço. O local exerce influência sobre a personalidade dos que o habitam, o que pode ser evidenciado através do comportamento de diversos personagens, destacando-se:
Jerônimo, vindo de Portugal, possuía uma personalidade compatível com o estereótipo do europeu, sendo calmo, reservado, centrado e responsável. Após ir habitar o cortiço, Jerônimo mudou completamente a sua personalidade, porquanto deixou de sentir saudade de sua terra e passou a ser preguiçoso e leviano no trabalho e nos gastos, vivendo quase que por instinto — personalidade que o autor associa ao estereótipo do brasileiro:
“o português abrasileirou-se para sempre; fez-se preguiçoso, luxurioso e ciumento”.
Sua mulher, Piedade, antes trabalhadeira, forte e sempre disposta a cumprir suas obrigações, após ser abandonada por Jerônimo, passou a ser leviana com o serviço e a se embriagar diariamente, participando de danças e festas, tal como o estereótipo da "mulher baiana" construído na obra.
A filha de Jerônimo e Piedade, antes mantida em um colégio interno para não ter contato com o cortiço, após ir morar no local, tem seu destino profetizado pelo autor: ela se tornará uma prostituta, seguindo o caminho de outras duas moças da habitação:
“o cortiço estava preparando uma nova prostituta naquela pobre menina desamparada, que se fazia mulher ao lado de uma infeliz mãe ébria.”
Pensamento naturalista
Em determinado trecho, o autor atribui a inconstância da baiana Rita Baiana ao fato de ser mestiça: “ela, apesar de volúvel como toda mestiça...”. Ou seja, o fato de ser mestiça a torna volúvel, como se todas as mestiças estivessem determinadas a sê-lo.
Contudo, a característica naturalista da obra não impede o romance de ser uma forte crítica social, porquanto o autor evidencia a distinção de classes sociais presente na sociedade carioca. Ao lado do cortiço, ergue-se imponente o sobrado de um rico negociante português, Miranda. Na obra de Gilberto Freyre, essa distinção evidenciava-se pela Casa-Grande e a Senzala; na obra de Azevedo, evidencia-se pelo sobrado e o cortiço.
Com isso, temos a oportunidade de vivenciar, com o desenvolvimento urbano, o surgimento de uma proximidade física entre as diversas classes sociais na cidade carioca. Contudo, essa proximidade não impede a existência de uma separação social, pois, apesar de vizinhos, os dois mundos não se relacionam.
Em um Brasil que começava a participar ativamente do sistema capitalista, a figura do capitalista sovina é personificada no dono do cortiço. João Romão vive para aumentar seus bens, buscando a todo custo adquirir vantagens, sem considerar o próximo ou seu próprio bem-estar:
“Só tinha uma preocupação: aumentar seus bens (...) aquilo já não era ambição, era uma moléstia nervosa, uma loucura, um desespero em acumular”.
Devido a isso, o cortiço é construído utilizando-se dos piores materiais possíveis e aproveitando cada palmo de terra, dando origem a habitações precárias — característica que se tornaria marcante nas periferias das metrópoles. O crescimento das cidades, impulsionado pelo processo de industrialização e pelo êxodo rural, gerou um aumento da massa de trabalhadores que se viram obrigados a habitar esses espaços, ficando à mercê de capitalistas como João Romão, que lucram às custas do sofrimento da população carente.



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