sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

São Bernardo - Graciliano Ramos



Capa do livro São Bernardo - Graciliano Ramos


O romance São Bernardo é considerado uma das maiores obras da literatura brasileira, sendo uma das que melhor representam o Regionalismo de 30, corrente literária modernista que tem por traço marcante evidenciar o cotidiano das diversas regiões do Brasil. Enquanto a literatura pré-modernista muitas vezes centralizava suas histórias na antiga capital do Brasil, a literatura regionalista busca mostrar um país distante dos grandes centros, revelando o cotidiano de outras regiões. Podemos citar como grandes romances regionalistas: Os Sertões, de Euclides da CunhaFogo Morto- José Lins do RegoGabriela, Cravo e Canela - Jorge Amado, Capitães da areia, de Jorge Amado

Resenha de São Bernardo - Graciliano Ramos

Graciliano Ramos escrevendo

São Bernardo cumpre com maestria esse propósito, pois, além de ser ambientado no interior de Alagoas, foi escrito em formato de memórias, sendo sua linguagem próxima da utilizada no cotidiano do interior nordestino. O autor das memórias, Paulo Honório, afirma nas primeiras páginas ser incapaz de escrevê-las devido ao seu pouco conhecimento sobre as letras:

Não pretendo bancar o escritor. É tarde para mudar de profissão.”

Contudo, após se desculpar de sua ignorância, o autor narra como se apossou e administrou a propriedade São Bernardo. Honório, sem ter conhecido seus pais, foi obrigado desde pequeno a se virar sozinho, tendo exercido diversas profissões. Sempre com o sonho de enriquecer, sua ambição o levou por caminhos tortuosos até acumular certo capital:

Sofri sede e fome, dormi na areia dos rios secos, briguei com gente que fala aos berros e efetuei transações comerciais de armas engatilhadas.”

Através de táticas legais e ilegais, Honório consegue se apossar da propriedade São Bernardo. Apesar de sua pouca instrução, buscou adquirir conhecimentos de agricultura e pecuária, administrando sua propriedade com mãos de ferro. Contudo, apesar do sucesso, Honório não esconde sua insatisfação consigo mesmo:

“Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos de outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.”

Após o suicídio de sua esposa, Honório começa a questionar no que sua ambição desenfreada o transformou, chegando a desejar nunca ter enriquecido:

Se houvesse continuado a arear o tacho de cobre da velha Margarida, eu e ela teríamos uma existência quieta. Falaríamos pouco, pensaríamos pouco...”

Honório tenta, através de suas memórias, expressar sua angústia, uma angústia que o leva a questionar sua existência. Uma existência pautada pela ambição desenfreada e pelo desejo de acumular bens, contudo, após o suicídio de sua mulher, tudo deixa de fazer sentido na sua vida. Madalena, esposa de Honório, teve uma infância sofrida como a de seu marido, contudo essa infância difícil não a impactou da mesma forma.

O fato de ter tido uma infância difícil fez com que ela sentisse compaixão pelos pobres, buscando ajudá-los na medida do possível. Ao contrário dela, Honório não demonstrava qualquer compaixão ou simpatia por seus funcionários, utilizando-se, muitas vezes, de violência para com os mesmos:

Para ser franco, declaro que esses infelizes não me inspiram simpatia. Lastimo a situação em que se acham, reconheço ter contribuído para isso, mas não vou além.”

Essa divergência de pensamento entre os dois foi motivo das primeiras brigas do casal, que seriam intensificadas com o passar dos anos devido ao crescente ciúme de Honório. Contudo, esse ciúme está relacionado ao medo de perder sua esposa enquanto propriedade (posse), e não de perder o amor de Madalena. Em diversos trechos, Honório afirma não compreender sua esposa, sendo que a instrução adquirida por ela contribuiu para a distância entre os dois:

Usar aquele vocabulário, vasto, cheio de ciladas, não me seria possível. E se ela tentava empregar a minha linguagem resumida, matuta, as expressões mais inofensivas e concretas eram para mim semelhantes às cobras: faziam voltas, picavam e tinham significação venenosa.”

Em um Nordeste árido e repleto de dificuldades, Honório se tornou um homem árido, seco, movido apenas pela busca do lucro, terminando seus dias questionando a finalidade de sua existência.




quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O cortiço- Aluísio de Azevedo



Capa do livro O cortiço- Aluísio de Azevedo

Aluísio de Azevedo é um dos maiores mestres da literatura brasileira. É responsável por uma das análises mais impactantes da transição do Império para a República e o fim da escravidão.

Resenha de O cortiço

A história é ambientada em um cortiço localizado no bairro de Botafogo, no município do Rio de Janeiro, em fins do Império. Apesar de o romance conter diversos personagens marcantes, o personagem principal da obra é o próprio cortiço. O local exerce influência sobre a personalidade dos que o habitam, o que pode ser evidenciado através do comportamento de diversos personagens, destacando-se:

Jerônimo, vindo de Portugal, possuía uma personalidade compatível com o estereótipo do europeu, sendo calmo, reservado, centrado e responsável. Após ir habitar o cortiço, Jerônimo mudou completamente a sua personalidade, porquanto deixou de sentir saudade de sua terra e passou a ser preguiçoso e leviano no trabalho e nos gastos, vivendo quase que por instinto — personalidade que o autor associa ao estereótipo do brasileiro:

“o português abrasileirou-se para sempre; fez-se preguiçoso, luxurioso e ciumento”.

Sua mulher, Piedade, antes trabalhadeira, forte e sempre disposta a cumprir suas obrigações, após ser abandonada por Jerônimo, passou a ser leviana com o serviço e a se embriagar diariamente, participando de danças e festas, tal como o estereótipo da "mulher baiana" construído na obra.

A filha de Jerônimo e Piedade, antes mantida em um colégio interno para não ter contato com o cortiço, após ir morar no local, tem seu destino profetizado pelo autor: ela se tornará uma prostituta, seguindo o caminho de outras duas moças da habitação:

o cortiço estava preparando uma nova prostituta naquela pobre menina desamparada, que se fazia mulher ao lado de uma infeliz mãe ébria.”

Pensamento naturalista 


Pintura de Aluísio de Azevedo

O Cortiço é considerado uma das primeiras obras da literatura brasileira de cunho realista-naturalista. Essa vertente é marcada pela influência do pensamento naturalista — uma espécie de cientificismo que busca leis para explicar o comportamento humano. Este seria condicionado por fatores determinados, tais como: raça, meio social e momento histórico. Com isso, a subjetividade humana é esquecida em favor de fatores quantificáveis pela ciência da época, o que gera uma visão estereotipada da realidade. Outro clássico da literatura brasileira de cunho naturalista  é a obra Os sertões , de Euclides da Cunha.

Em determinado trecho, o autor atribui a inconstância da baiana Rita Baiana ao fato de ser mestiça: “ela, apesar de volúvel como toda mestiça...”. Ou seja, o fato de ser mestiça a torna volúvel, como se todas as mestiças estivessem determinadas a sê-lo.

Contudo, a característica naturalista da obra não impede o romance de ser uma forte crítica social, porquanto o autor evidencia a distinção de classes sociais presente na sociedade carioca. Ao lado do cortiço, ergue-se imponente o sobrado de um rico negociante português, Miranda. Na obra de Gilberto Freyre, essa distinção evidenciava-se pela Casa-Grande e a Senzala; na obra de Azevedo, evidencia-se pelo sobrado e o cortiço.


Com isso, temos a oportunidade de vivenciar, com o desenvolvimento urbano, o surgimento de uma proximidade física entre as diversas classes sociais na cidade carioca. Contudo, essa proximidade não impede a existência de uma separação social, pois, apesar de vizinhos, os dois mundos não se relacionam.

Em um Brasil que começava a participar ativamente do sistema capitalista, a figura do capitalista sovina é personificada no dono do cortiço. João Romão vive para aumentar seus bens, buscando a todo custo adquirir vantagens, sem considerar o próximo ou seu próprio bem-estar:

Só tinha uma preocupação: aumentar seus bens (...) aquilo já não era ambição, era uma moléstia nervosa, uma loucura, um desespero em acumular”.

Devido a isso, o cortiço é construído utilizando-se dos piores materiais possíveis e aproveitando cada palmo de terra, dando origem a habitações precárias — característica que se tornaria marcante nas periferias das metrópoles. O crescimento das cidades, impulsionado pelo processo de industrialização e pelo êxodo rural, gerou um aumento da massa de trabalhadores que se viram obrigados a habitar esses espaços, ficando à mercê de capitalistas como João Romão, que lucram às custas do sofrimento da população carente.

Desenho de um cortiço

O espaço é uma construção social, fruto das relações humanas e dotado de um caráter dinâmico. Com isso, as teses naturalistas que buscam condicionar o comportamento ao meio mostram-se ultrapassadas. Ao analisar o espaço, deve-se levar em conta sua dinamicidade e o caráter subjetivo do ser humano enquanto construtor de sua própria realidade.