quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Os Mortos Vivos, de Peter Straub


Capa do livro Os Mortos Vivos, de Peter Straub



Peter Straub é um dos mais renomados autores do gênero horror nos Estados Unidos. Seu sucesso rendeu-lhe a possibilidade de escrever dois livros com o mestre do horror contemporâneo Stephen King: "O Talismã" e "A Casa Negra".
"Os Mortos-Vivos" é, sem dúvida, o seu romance mais vendido no Brasil, sendo difícil encontrar exemplares de seus outros livros à venda nas livrarias. Apesar do título, que pode levar o leitor ao erro de confundir com a série de filmes "Noite dos Mortos Vivos", o romance passa longe dos clichês das histórias de mortos-vivos, nas quais comedores de cérebros ambulantes atacam uma cidadezinha. O título original "Ghost Story", ou seja, história de fantasma, é um título mais condizente com o enredo do romance. Nele, não vemos mortos recém-saídos do túmulo em busca de carne humana, mas sim uma história bem amarrada que em nenhum momento perde o fôlego, apesar das mais de 500 páginas.

Resenha de Os Mortos Vivos, de Peter Straub


Cena do filme Os Mortos Vivos, de Peter Straub. Alguns homens idosos reunidos

A história gira em torno de um grupo de amigos sexagenários que guardam um terrível segredo envolvendo uma mulher misteriosa. Esses homens fundaram um clube particular, onde se encontram quinzenalmente para contar histórias. Paralelamente, um jovem escritor de livros de horror se envolve com uma mulher misteriosa, que posteriormente se envolve com seu irmão, levando o mesmo ao suicídio. A morte do irmão do escritor, bem como a morte de um membro do grupo dos sexagenários, transforma-se em um gatilho que inicia uma série de acontecimentos bizarros na pequena cidadezinha da costa leste americana, levando o escritor a travar conhecimento com os sexagenários. Essa pequena cidade transforma-se em um palco de diversos acontecimentos sobrenaturais, aliados à chegada de uma nova mulher à cidade; com isso, monta-se o palco para a famosa luta do bem contra o mal.

Apesar de o romance conter alguns clichês, a atmosfera da cidadezinha, que passa por um inverno rigoroso, torna a história atraente. Esse inverno rigoroso cria um isolamento da cidade, bem como uma dificuldade para que ela possa gerar uma união nessa luta contra o mal. Com isso, apenas um pequeno grupo de homens composto por três velhos, um homem e um adolescente, trava combate com esse poderoso inimigo aparentemente invencível. Os sexagenários, após a morte de um membro do grupo, aliado aos sonhos compartilhados cada vez mais terríveis, decidem contatar o sobrinho do falecido, que é autor de histórias de horror.

"Talvez a parte mais estranha de minha presença aqui seja o fato de os amigos de meu tio darem a impressão de que receiam terem sido envolvidos em alguma história de horror da vida real. Pensam que sou algum profissional decidido, um especialista em sobrenatural."

Uma série de mortes misteriosas de animais e humanos justifica o medo dos sexagenários, evidenciando estar algo sobrenatural ocorrendo na pequena cidade.

"Você pisa num pedaço de chão com toda a aparência de sólido e descobre que desmorona sob seu pé; olha para baixo e, ao invés de ver relva, terra, a solidez que esperava, avista uma caverna comprida, onde coisas rastejantes correm de um lado para o outro a fim de escaparem da luz."

No transcorrer da história, não fica evidente que tipo de criaturas são essas que assolam a cidade, contudo algumas pistas surgem sobre a origem delas.

"Essas coisas não são novas [...]. Provavelmente existem há séculos... talvez há mais tempo. E pelo menos há centenas de anos que são comentadas e pessoas escrevem a respeito. Creio que são o que as pessoas costumavam chamar de vampiros e lobisomens. Provavelmente estão por trás de milhares de histórias de fantasmas."

Uma coisa fica clara: esses seres não simplesmente atacam suas vítimas como se fossem animais ferozes, mas sim gostam de levar suas vítimas à loucura antes de matá-las, como se sentissem prazer na insanidade humana.

"Eles estavam há muito tempo à espreita, esperando por uma época em que a loucura oferecesse um panorama mais concreto dos acontecimentos do que a sanidade."

O romance, como quase todo romance de horror, sustenta-se na capacidade do leitor de aceitar alguns fatos ilógicos, tais como: sendo poderosos, por que ainda não dominaram o mundo? Contudo, a partir do momento que o leitor compra a história, a mesma cumpre com o prometido, proporcionando muitos momentos de prazer e alguns sustos. Saciando, com isso, essa necessidade do homem moderno de sentir o desconhecido, a necessidade de dialogar com os seus medos mais irracionais. 
Sem dúvida, um dos melhores livros do gênero.

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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

As aventuras do Sr Pickwick, de Charles Dickens


Capa do livro As aventuras do Sr Pickwick, de Charles Dickens

Charles Dickens é indiscutivelmente um dos autores mais prestigiados da literatura universal. Os enredos de seus livros são conhecidos até por quem nunca leu um de seus volumes.

As Aventuras do Sr. Pickwick talvez seja um dos menos prestigiados livros de Dickens, não tendo o mesmo renome de Oliver Twist, David Copperfield e Grandes Esperanças. Contudo, o romance não fica atrás dos citados, tendo a capacidade de conseguir reter a atenção do leitor pelas mais de 500 páginas da obra, sem que o leitor tenha que empregar grande esforço para tanto.

Próximo ao final da leitura, o leitor sente com pesar a iminente separação. O próprio autor, nas últimas páginas do romance, confessa compartilhar dessa tristeza:

“É a sina de todos os cronistas ou autores o criarem amigos de fantasia e perdê-los, segundo o curso da arte”.

Sem dúvida, personagens tais como Pickwick e Samuel ficarão na memória dos leitores para sempre, deixando o leitor com ânsia de saber em quais aventuras esses personagens estariam metidos após o fim do romance. A história se passa no final da década de vinte do século dezenove, desenrolando-se no interior de uma Inglaterra que começava a vivenciar um crescimento demográfico e tecnológico graças à Revolução Industrial.

"Vai ver uma coisa engraçada... as pessoas de qualidade ainda não chegaram... Lugar divertido... Os funcionários superiores do arsenal da marinha não se dão com os inferiores... os funcionários inferiores não se dão com os burgueses... os burgueses não se dão com os negociantes... o comissário do governo não se dá com ninguém."

Tanto o senhor Pickwick quanto seus companheiros de aventura — Truman, Snodgrass e Winkle — percorrem o interior inglês buscando decifrar a natureza humana. Eles são membros de um clube que tem por nome Clube Pickwick, que tem por objetivo estudar a natureza humana através da observação. Com isso, os personagens viajam pelo interior inglês buscando observar e documentar os hábitos e as paisagens do interior do país como se fossem sociólogos.

"Confessamos francamente que, até o momento em que mergulhamos nos volumosos documentos do Clube Pickwick, nunca tínhamos ouvido falar em Eatanswill; e com a mesma franqueza, admitiremos haver buscado em vão uma prova da existência dessa localidade nos dias que correm. Conhecendo a profunda confiança que se deve depositar em todas as notas e declarações do Sr. Pickwick e não nos atrevendo a opor as nossas recordações às declarações expressas desse grande homem, consultamos todas as autoridades sobre o assunto de que nos poderíamos valer."

Apesar de essas visitas de campo possuírem um caráter científico, tanto apregoado pelos membros, os integrantes do clube acabam se envolvendo em situações engraçadas e até embaraçosas; contudo, essas situações não impedem os personagens de manterem a distinção e a fé na natureza humana. 

Nos lugares por onde passam, os personagens acabam se deparando com diversas histórias que lhes são narradas por diversos tipos que vão desde bêbados, encontrados em bares, até religiosos respeitados. Sendo as mesmas documentadas e narradas no livro, o leitor acaba tendo acesso a diversas tramas paralelas à história principal, sendo muitas delas de caráter místico, tais como: a história do coveiro que é levado por duendes, ou a história da cadeira que decide arranjar um marido para sua dona.

Cada membro do Clube Pickwick possui características próprias que fazem com que esse grupo seja eclético. O Sr. Pickwick, fundador do clube e espécie de mentor dos demais, aparenta ser uma figura extremamente culta e distinta, sendo em alguns casos até ingênuo. Essa ingenuidade faz com que ele se envolva em diversas situações embaraçosas, podendo-se citar: o processo iniciado pela sua senhoria, que alegou que o Sr. Pickwick havia voltado atrás em uma proposta de casamento; e as diversas armadilhas empregadas por um malandro, armadilhas essas que o Sr. Pickwick se mostra incapaz de antever.

O personagem Sam, sendo o fiel escudeiro e criado do Sr. Pickwick, se mostra, apesar de sua pouca instrução em comparação com a de seu senhor, muito mais sagaz que este, sendo responsável, muitas vezes, por livrar o Sr. Pickwick de muitas confusões. As Aventuras do Sr. Pickwick é, sem dúvida, uma excelente obra na qual o leitor tem a oportunidade de acompanhar diversas aventuras engraçadas e emocionantes, sendo um dos maiores clássicos da literatura universal.

"Despeçamo-nos do nosso velho amigo num desses momentos de felicidade sem mistura, dos que sempre encontramos alguns na vida que nos alegrem a transitória existência. Há na terra sombras negras, mas os clarões brilham com mais força, mercê do contraste. Há homens, semelhantes aos morcegos ou aos mochos, que têm melhores olhos para as trevas que para a luz. A nós, que não possuímos esse poder óptico, apraz-nos de preferência lançar o derradeiro olhar de despedida aos companheiros imaginários de muitas horas de isolamento, no instante preciso em que o rápido clarão da felicidade terrena os banha em cheio."

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