domingo, 25 de outubro de 2015

As Ilusões Perdidas- Honoré de Balzac



Capa do livro As Ilusões Perdidas- Balzac


"As ilusões perdidas", romance de H. de Balzac publicado na primeira metade do século XIX, revela a dura realidade dos grandes centros da Europa daquela época. O romance tem por objetivo demonstrar a realidade em uma época em que predominava uma literatura romântica. Até meados do século XIX, a literatura europeia era dominada por um estilo de composição tido como romântico, que buscava idealizar a realidade, ou seja, adequá-la aos ideais buscados pela sociedade da época. 

Resenha de As Ilusões Perdidas


Fotografia de Balzac

Balzac pode ser considerado um dos precursores de uma literatura realista que, em contraposição ao romantismo da época, buscava retratar o real. O romance “As ilusões perdidas”, como o próprio título sugere, despeja um balde de água fria nos românticos da época, mostrando uma Paris longe de ser glamorosa, sendo problemática, caótica e corrompida. Evidenciam-se essas características na seguinte passagem do romance:

Em Paris, os conjuntos das construções e das atividades urbanas chamam logo a atenção: o luxo das lojas, a altura das casas, a afluência das carruagens, os permanentes contrastes que apresentam o extremo luxo e a extrema miséria. [...] Para o jovem poeta habituado a encontrar eco para cada um dos seus sentimentos, um confidente para todas as suas ideias, uma alma para compartilhar as suas menores sensações, Paris ia ser um espantoso deserto”.

O autor não poupa a imprensa da época, mostrando que os jornais da cidade, longe de serem meios de propagação de informações e discussões, acabavam sendo utilizados como um negócio. Nas palavras de um dos personagens do romance:

“O jornal, em vez de ser um sacerdócio, tornou-se um meio para os partidos, e de um meio passou a ser um negócio. Não tem fé nem lei. Todo jornal é uma loja onde se vendem ao público palavras da cor que deseja”.

Fotografia de Paris no século dezenove

O protagonista do romance, Luciano, deixa a província em busca de fama em Paris através de sua pena, levando consigo um livro recém-escrito e alguns poemas. Luciano imaginava que tudo correria da melhor forma possível, devendo o seu talento ser reconhecido instantaneamente, mas não é isso que ocorre.

Na capital, ele encontra uma sociedade mais preocupada com títulos e vestuários do que com talento. Um lugar onde, sem a ajuda de poderosos, nada poderia ser conquistado. O fato de Luciano ser filho de um farmacêutico fez com que todas as portas se fechassem para ele. É importante lembrar que a França da época passava por um período de restauração da monarquia, ou seja, após a queda de Napoleão, a monarquia voltou a reinar no país e os ideais monárquicos foram restaurados.

Após a queda inicial, Luciano foi obrigado a trabalhar em um dos muitos jornais de Paris. A cidade, ao longo do romance, vai corrompendo o jovem poeta, que acaba abrindo mão de seus ideais, empregando a sua pena conforme a possibilidade de lucro. Um fato que ilustra essa corrupção se dá nas críticas aos espetáculos escritas pelo jornal no qual ele trabalha. O jornal ganha uma participação no lucro dos espetáculos, fato que leva os jornalistas a escreverem críticas positivas; mas, quando os donos dos teatros deixam de pagá-los, os jornalistas escrevem críticas condenando o espetáculo, muitas vezes já haviam escrito críticas favoráveis — problema facilmente resolvido com a utilização de um pseudônimo.

O dinheiro ganhado por Luciano no jornal é rapidamente torrado em festas e mulheres, fazendo com que Luciano fosse obrigado a pedir ajuda financeira ao seu cunhado, que ficou na província. Chegando, em alguns momentos, a falsificar a assinatura do cunhado no intuito de conseguir empréstimos. Fato que, posteriormente, leva o cunhado à falência.

O cunhado do poeta pode ser considerado sua antítese. Enquanto Luciano vive em Paris, seu cunhado se empenha, através de um trabalho árduo e honesto, na descoberta de uma pasta que facilitaria a confecção de livros, barateando-os. 

O romance de Balzac pode ser considerado uma das primeiras obras de cunho realista escritas na Europa, sendo uma crítica tanto à aristocracia quanto à burguesia: sendo a primeira criticada por sua hierarquização baseada em títulos, onde o mérito e o talento ficam relegados a um segundo plano; e a burguesia, que busca de forma desenfreada o lucro, tendo como motivo e finalidade de sua existência o acúmulo de capital.

Gosta de Literatura Clássica ? Leia a resenha de grandes clássicos da Literatura europeia:

Grandes Esperanças, de Charles Dickens;
O sonho de um Homem Ridículo, de Fiodor Dostoievski;
O processo, de F. Kafka;
Notas do Subsolo, de Dostoievski;
O grande Gatsby- Scott Fitzgerald;
Pais e Filhos - Ivan Turgueniev.





    

domingo, 18 de outubro de 2015

Pais e Filhos - Ivan Turgueniev



Capa do livro Pais e Filhos - Ivan  Turgueniev. Vermelha


O romance de Turguêniev tem por temática a transição, ocorrida na Europa, de um pensamento econômico, político e cultural pautado em uma lógica feudal baseada em laços de subordinação tidos como naturais. Nesse modelo, a posição do indivíduo na sociedade é definida por leis de sangue tidas como divinas, tendo como base desse sistema a servidão. Essa lógica transita para um pensamento capitalista, sendo a sociedade baseada na capacidade do indivíduo de acumular capital e tendo como base do edifício social o conhecimento científico positivo, em contraposição ao pensamento religioso dominante no período feudal.

Com isso, houve a mudança de uma produção de bens baseada na servidão para uma produção baseada no trabalho assalariado, devido à necessidade capitalista de circulação de riquezas através do poder de compra, desenvolvendo um mercado consumidor. Esta transição gerou uma nova reorganização da sociedade europeia, tanto econômica quanto política e culturalmente, devido ao fato de a organização social passar a se basear na acumulação de capital, sendo o desenvolvimentismo técnico-científico o motor desse processo.

Apesar de esses processos estarem a todo o vapor, em meados do século XIX, na Europa, a Rússia começava a participar ativamente dessa transição. Na época, a Rússia tinha um acanhado desenvolvimentismo industrial e um sistema econômico baseado na agricultura, além de um sistema político retrógrado: o tsarismo. Entretanto, a Rússia começava a se adequar à nova ordem europeia, podendo-se destacar o fim da servidão, que gerou o trabalho assalariado. Com isso, o mujique, que antes era tido como um servo, passou a ser encarado como igual, partilhando de uma relação de trabalho com o que antes era o seu senhor.

Resenha de Pais e Filhos


Cena da peça Pais e Filhos. Homens conversando em uma mesa

No romance, vemos como este processo modificou as relações sociais no país através do embate ideológico entre os pais, homens aristocratas partidários de um sistema social baseado em laços naturais quase místicos, e os filhos, jovens que se intitulam niilistas. Estes têm por premissa a negação de qualquer tipo de convenção social imposta por qualquer tipo de autoridade, buscando enxergar o mundo com uma visão crítica, baseando-se apenas no conhecimento científico positivista.

"Niilista é o homem que não se curva perante nenhuma autoridade e que não admite como artigo de fé nenhum princípio, por maior respeito que mereça".

Esses jovens se interessam apenas pelo conhecimento científico, desprezando qualquer experiência que não possa ser observada, descrita e quantificada pela ciência, como, por exemplo, as emoções e a arte. O personagem Bazarov, niilista, ao ser questionado sobre a importância da arte, afirmou ser um bom químico vinte vezes mais útil que um poeta. Com isso, vemos a influência do positivismo no pensamento do personagem, ao acreditar ser possível, através da ciência, compreender e interpretar a realidade, podendo tudo ser explicado pelas leis da natureza.

"Que relações misteriosas são essas entre o homem e a mulher? Nós, fisiologistas, conhecemo-las muito bem. Estude um pouco a anatomia do globo ocular: encontrará ali algo que signifique um olhar enigmático? Tudo não passa de romantismo, fantasia, podridão, artifício".

Outro frequente motivo de discussões era a decadência da aristocracia neste novo sistema, devido à transição de uma sociedade que tinha a aristocracia como modelo do que era socialmente aceito para uma sociedade tendo a ciência como base da organização social. Segundo o personagem defensor da aristocracia, a personalidade e a noção de dignidade presente na aristocracia mantêm sólido o edifício social, sendo a sociedade construída e civilizada graças à aristocracia.

Bazarov, por sua vez, nega a utilidade dessa aristocracia que não tem, segundo ele, utilidade prática para a sociedade, sendo somente aceitável para o niilista algo que traga benefícios para a evolução da espécie humana. Segundo ele, a ciência não é importante por si só, mas sim pelo uso positivo da mesma. Sendo assim, todas as convenções sociais que não geram uma transformação humana racional são dispensáveis, devendo a sociedade se pautar somente no conhecimento positivista.


Percebe-se nos niilistas uma negação de tudo que não seja científico, comprovado e perfeitamente posto em prática. Para eles, os sentimentos não têm importância; inclusive, muitas vezes buscam, através da ciência, explicá-los de modo a desmistificá-los. Contudo, Bazarov acabou, de certa forma, traindo sua ideologia, devido ao fato de em determinado momento ter se desviado de sua busca científica positiva após ter um contato mais íntimo com uma condessa que, de certa forma, representava o modo de vida aristocrático.

Diante disso, fica o questionamento: será possível pensar em uma sociedade somente pautada na ciência positiva? Uma sociedade sem sentimentos, sem arte ou amor? No século XIX, muitos acreditavam ser possível através da ciência positiva; contudo, este pensamento levou a uma desumanização do ser humano, pois muitos dos sentimentos e sensações são partes constituintes do que nos faz seres humanos, podendo uma busca racional totalmente alheia aos sentimentos levar a humanidade ao caos e ao surgimento de ideologias racionalmente compreendidas, mas que ferem nossos sentimentos, como o nazismo e o fascismo.

Gosta de clássicos da Literatura russa ? Leia outras resenhas da era de ouro da literatura russa. 

O sonho de um Homem Ridículo, de Fiodor Dostoievski;
Notas do Subsolo, de Dostoievski;
Os demônios -Fiódor Dostoiévski;
Um jogador- Dostoiévski
Crime e castigo - Dostoievski.